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Houve um tempo em que as ações do Magazine Luiza (BHIA3) e das Casas Bahia (BHIA3) eram consideradas grandes queridinhas do mercado brasileiro. Na pandemia, quando a maior parte da população precisou mudar os seus hábitos de consumo para o e-commerce e os juros ficaram nas mínimas históricas, elas pareciam ser as grandes ganhadoras da crise.
As ações tiveram altas extraordinárias, grandes planos de investimentos foram feitos e os papéis apresentaram avanços de três dígitos na bolsa. Mas, cerca de cinco anos depois, a realidade é bem diferente. Passado os tempos de máximas históricas e a retomada do aumento da Selic, as ações entraram em queda livre. No período, as ações de Casas Bahia e Magalu tiveram um recuo de quase 97% e 92%, respectivamente.
Em 2025, no entanto, parece que as duas nadam contra a maré. O avanço da taxa juros, atualmente em 14,25% ao ano, a volatilidade do dólar e a alta da inflação são o combo de vilões perfeitos para o varejo brasileiro. Em outras palavras, com o crédito mais caro e menor poder de compra das famílias, os gastos com itens considerados supérfluos tendem a cair. Ainda assim, até esta terça-feira (28), as ações MGLU3 e BHIA3 apresentam altas de 55% e 95% no ano, respectivamente. Em março, as ações das Casas Bahia chegaram a acumular alta de quase 150% no ano, mas acumulam queda de 42% nos últimos 30 dias.
Turbulência no varejo
2025 definitivamente não está sendo um ano fácil para o varejo brasileiro. Apesar de ter registrado crescimento de 4,7% no ano passado – o melhor resultado dos últimos 12 anos –, neste, o setor enfrenta uma série de desafios que diminui o crédito disponível no mercado e afetam o consumo, culminando na sua desaceleração. Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, o setor ficou praticamente estável e só voltou a crescer em fevereiro, com um avanço de 0,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O avanço do comércio eletrônico e de outros players no setor, como Amazon, Mercado Livre, Shopee e Temu explicam parte da retração, já que as duas varejistas se consolidaram com as compras físicas — por mais que investimentos massivos na digitalização de seus serviços tenham sido feitos nos últimos anos.
O fato de trabalharem com as linhas branca e marrom – basicamente eletrodomésticos e eletrônicos –, as torna vulneráveis à taxa de juros. “Durante a pandemia, essas empresas tiveram um alto endividamento, o que gerou uma expectativa elevada de crescimento nos investidores. Isso aconteceu justamente na retomada da elevação dos juros”, explica Danniela Eiger, head de varejo e co-head de equity research na XP Investimentos.
Ela explica que, com juros mais altos, as despesas financeiras aumentam e o dinheiro no bolso do consumidor diminui. “Os preços ainda estão em patamares muito elevados e isso pressiona o poder de compra das pessoas”, afirma a head da XP. O resultado é uma menor saída de produtos de estoque e, por consequência, balanços mais fracos que decepcionaram os investidores e furaram a “bolha” de euforia gerada na pandemia.
Botando a casa em ordem
A mudança de cenário e a dificuldade enfrentada pelo setor obrigou as empresas a botarem a casa em ordem para recuperar a credibilidade perdida.
Há cerca de um ano, a Casas Bahia anunciou um acordo de recuperação extrajudicial com os seus principais credores: Bradesco e Banco do Brasil. No dia do anúncio, os papéis da varejista avançaram em torno de 34%, mesmo com uma dívida estimada em R$ 4,1 bilhões. A iniciativa garantiu à varejista ao menos R$ 4,3 bilhões no seu caixa até 2027 e redução da dívida em 1,5 ponto porcentual.
Desde 2023, a empresa vem se reestruturando para reverter os prejuízos. A principal meta é recuperar sua rentabilidade até o final de 2025. “A empresa reduziu a variedade de produtos e cortou custos significativos. No segundo trimestre de 2024, interrompeu a venda de 23 categorias de produtos de menor valor”, explica Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos da Jeff Planner. Ele destaca que, mesmo com esses esforços, a varejista sofreu com uma queda de 13,5%. A resposta foi uma demissão em massa de 6 mil funcionários e o plano de fechamento de até 100 lojas da sua rede.
Em 2023, outra iniciativa foi a oferta pública de ações para captar R$ 1 bilhão, que terminou em fracasso. Se na bolsa os papéis da varejista custavam R$ 1,11, na oferta pública eles não passaram dos R$ 0,80. No início daquele ano, o escândalo das Lojas Americanas já havia prejudicado o desempenho de todo o setor.
O Magazine Luiza também vem de anos difíceis. Se em 2020, as suas ações custavam R$ 272, agora, custam cerca de R$ 10. O início da queda livre foi em 2021, coincidindo com a retomada da alta dos juros pelo Banco Central. Em 2023, a franquia fechou 53 lojas. Embora a empresa tenha conseguido reverter o prejuízo no ano seguinte e indique iniciativas de inovação, ainda assim, restaram dúvidas.
Em junho de 2024, o Magalu anunciou sua parceria com o AliExpress, do grupo Alibaba. Pelo acordo, a loja chinesa pode comercializar dentro dos canais digitais do Magalu. Mais recentemente, a varejista resolveu apostar no Magalu Cloud, uma plataforma e serviços de nuvem.
Durante a teleconferência de resultados do último trimestre de 2024, o CEO do Magazine Luiza, destacou que a empresa atravessa o seu segundo ciclo estratégico, em que se inspira nos ecossistemas chineses para diversificar as fontes de receita e de lucro. “Fizemos várias aquisições e incluímos a Netshoes e a KaBum! ao nosso portfólio. Além disso, compramos cinco empresas de logística que se tornaram a Magalog. Também adquirimos uma fintech e outras processadoras de pagamento para formar o MagaluPay”, afirmou Frederico Trajano.
Ambas também tiveram performances positivas no quarto trimestre de 2024, dentro das suas realidades. O Magalu avançou em torno de 39% no seu lucro líquido, em relação ao mesmo período do ano anterior, faturando aproximadamente R$ 295 milhões. Além disso, conseguiu reverter o prejuízo de R$ 979,1 milhões de 2023 em lucro líquido de R$ 448,7 milhões.
A Casas Bahia, apesar de registrar um prejuízo líquido de R$ 452 milhões no quarto trimestre, conseguiu uma redução de quase 55% em relação a 2023, quando teve uma perda de R$ 1 bilhão. No acumulado, o recuo foi de 60,2%. “Após os ajustes estruturais dos últimos trimestres e o início do crescimento da receita no 4T24, seguimos focados na execução do Plano de Transformação para avançar em rentabilidade e geração de fluxo de caixa”, ressaltou Renato Franklin, CEO da Casas Bahia, durante a teleconferência de divulgação do balanço financeiro da empresa do último trimestre.
No dia seguinte, após a divulgação do desempenho no último trimestre de 2024, os papéis da varejista recuaram 12,82%. Na avaliação do mercado, os resultados foram mistos — embora haja sinais de aumento de receita e rentabilidade, a alavancagem ainda se encontra em patamares elevados.
“Casas Bahia e Magalu passaram por um desafio financeiro. Só que nos últimos dois anos, elas buscaram equacionar essa questão da alavancagem”, diz Einer. Ela vê uma melhor saúde financeira dentro de ambas, mas alerta sobre a alavancagem. “Ela está controlada, mas não está baixa e isso é um ofensor, especialmente no caso da Casas Bahia”, explica.
O que explica as altas de Casas Bahia e Magalu
Gustavo Harada, head de alocação da Blackbird Investimentos cita que uma das razões para a valorização da Casas Bahia é um fenômeno chamado de short squeeze, em que o investidor aluga uma ação – através de uma taxa – acreditando que esse ativo terá desvalorização. Na prática, os preços disparam e os traders lucram com a queda inevitável dos papéis.
Ele também destaca que a varejista teve resultados positivos no quarto trimestre de 2024, o que mudou a visão de parte do mercado. “Alguns bancos de investimento passaram a recomendar positivamente as ações da Casas Bahia, diante dessa performance”, complementa reHarada.
Mas há quem acredite que não é bem assim, como Patzlaff. Ele considera que a recuperação judicial da Americanas e a extrajudicial da Casas Bahia estão despertando certo otimismo nos investidores. No caso da Casas Bahia, o planejador financeiro entende que “as medidas de reestruturação e foco em rentabilidade” também justificam a valorização dos papéis da rede de lojas.
Segundo ele, a Casas Bahia ganhou pontos percentuais em participação de mercado nos segmentos de eletrodomésticos, eletroeletrônicos e imóveis. “Isso indica uma melhora na competitividade, com disciplina nos custos e na alavancagem operacional”, aponta. Em relação à performance do Magalu, o planejador financeiro atribui a alta ao “olhar forte para a digitalização e a utilização de lojas como ‘agências’”.
Já Vinicius Strano, analista do UBS BB, entende que a desalavancagem que a varejista teve no último ano e a melhora – acima do esperado – dos resultados do LuizaCred explicam o avanço dos papéis. Embora, no seu entendimento, a expectativa de alta de juros impactou significativamente no valor das ações, no final de 2024. “O Magalu agora está com uma alavancagem mais saudável e, apesar de ter um nível de despesas elevado, a empresa possivelmente gerará caixa neste ano”, observa Strano.
Eiger traz outros pontos. Ela entende que a ascensão dos papéis das duas varejistas é majoritariamente influenciada pelo contexto macroeconômico. “A diversificação de investimentos para fora dos Estados Unidos [por conta da guerra comercial] e o enfraquecimento do dólar aliviam a curva longa de juros, o que favorece o setor de varejo. Sobretudo Casas Bahia e Magalu, já que são empresas de crescimento”, afirma a head da XP.
Expectativas para 2025
Apesar do mercado de trabalho estar aquecido e dos programas sociais do governo promoverem o consumo, a possibilidade da Selic chegar aos 15% ao ano até o final de 2025 pode desacelerar as vendas de todo o setor varejista. Harada alerta que a curto prazo, Casas Bahia e Magazine Luiza terão muitos desafios, não só por conta do cenário econômico atual, mas pela competitividade no setor.
Como estratégia, na concepção de Patzlaff, a Casas Bahia continuará focando na expansão do crediário e da rentabilidade com o comércio eletrônico. “A tendência é que a varejista também fortaleça a experiência omnichannel, o que deve consolidar as lojas físicas em hubs logísticos e aprimorar a jornada do consumidor”, destaca. O head da Blackbird concorda com essas tendências e acrescenta que a rede de lojas tende a recuperar-se no segundo semestre deste ano.
Em relação ao Magazine Luiza, Patzlaff crê que a digitalização será o principal caminho da empresa neste ano. “O Magalu deve direcionar seus esforços na expansão do comércio eletrônico e na melhoria de sua eficiência operacional”.
O analista do UBS considera que, apesar da alavancagem melhor, a Magalu ainda pode sofrer com o cenário competitivo e ter um crescimento mais limitado em 2025. Enquanto Einer considera que o cenário é de cautela, especialmente por conta do cenário de alta dos juros. “A inflação não está arrefecendo, pelo contrário, está acelerando sequencialmente”, diz. Por outro lado, ela avalia que a estratégia de ambas – com foco na rentabilidade em geração de caixa – é correta.
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