

Impeachment de Lula é uma realidade distante – Foto: Ricardo Stuckert/PR/ND
A cerca de 18 meses das eleições no ano que vem, o presidente da República convive com pedidos de impeachment de Lula durante o seu atual mandato. Apesar de ser assunto recorrente nos corredores da Câmara dos Deputados, nenhum pedido foi à votação em plenário.
Até fevereiro de 2024, haviam sido protocolados 19 pedidos de impeachment de Lula na Câmara dos Deputados. Comparativamente, o número representa mais do que o dobro dos pedidos apresentados contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, considerando o mesmo período de governo.
Lula já sofreu impeachment?
Não, nenhum dos pedidos de impeachment de Lula avançaram em seus mandatos anteriores. Entre 2002 e 2010, Lula esteve à frente do Executivo e saiu do cargo com mais de 80% de aprovação, segundo Ibope e Datafolha.
O pior momento de seu governo durante os primeiros mandatos foi no final de 2005, quando sua popularidade chegou a 40%, segundo o Datafolha. Apesar de representar a pior marca do governo Lula entre 2002 e 2010, o índice de aprovação é ainda superior ao maior patamar alcançado no atual terceiro mandato, que foi de 38%.
O motivo para a queda da popularidade no final de 2005 foi o escândalo do mensalão, revelado em junho do mesmo ano pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB/RJ). Assim, com o desgaste na opinião pública, a oposição protocolou uma série de pedidos de impeachment de Lula. No entanto, o presidente da Câmara dos Deputados não levou nenhum adiante.
Diferença entre impeachment e prisão
A prisão e o impeachment são dois processos distintos no sistema jurídico e político de um país. Enquanto a prisão tem um caráter predominantemente jurídico, o impeachment é um processo político.
O que é impeachment?
É um processo legal que pode remover de seus cargos o presidente da República, além de autoridades do Executivo e do Judiciário. Assim, o instrumento permite que o Legislativo fiscalize as ações dos outros Poderes da República.
A Câmara dos Deputados é que detêm a prerrogativa de instaurar um processo de impeachment. Para isso, o presidente da Casa deve acatar um requerimento com tal finalidade e levar à votação em plenário. Não há um mínimo necessário de assinaturas para se instaurar o processo, mas são necessários 342 votos favoráveis de deputados para o documento avançar para o Senado.
Por sua vez, o Senado avalia o processo de impeachment e julga se o defendente de fato cometeu um crime de responsabilidade. Caso os senadores concordem com a cassação, o alvo do processo perde o cargo e pode ficar impedido de ocupar funções públicas por oito anos.
Invariavelmente, o pedido de impeachment deve apresentar um crime de responsabilidade cometido pelo alvo do requerimento, de acordo com a Constituição Federal e com a Lei 1.079 de 1950. De forma generalizada, o presidente da República pode ser destituído se cometer infrações em razão do cargo que ocupa.
Prisão e Justiça

Lula sofreu com processos – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil/ND
A prisão pode ser determinada em várias circunstâncias, como por flagrante delito, prisão preventiva ou condenação. Diferentemente do impeachment, que visa garantir a integridade da administração pública, a prisão é adequada para punir um infrator e garantir a ordem social.
No caso da prisão, a Lei da Ficha Limpa é o principal instrumento para vetar candidaturas de pessoas condenadas por um tribunal de segunda instância. Dependendo da natureza do crime, há uma tolerância para que o acusado possa se defender até a última instância.
Prisão de Lula
No caso de Lula, ele foi condenado em segunda instância em 2017. Mesmo assim, o PT o lançou como candidato em 2018, mas foi obrigado a substituí-lo por Fernando Haddad na corrida presidencial.
A condenação foi executada em 2018 e Lula permaneceu na cadeia até 2019, quando foi solto por decisão do STF. Foi naquele período que conheceu Janja, com quem se casaria. A possibilidade de disputar uma nova eleição, no entanto, tornou-se real apenas em 2021. Na época, o STF anulou as condenações relativas à Lava Jato por entender que o tribunal que o havia julgado na primeira instância não era competente.
Oposição pede saída de Lula por fala sobre Israel
O levantamento sobre os pedidos de impeachment de Lula foi feito logo após a deputada federal Carla Zambelli (PL/SP) protocolar um requerimento, em fevereiro do ano passado. Segundo o documento, o crime de responsabilidade estava configurado no pronunciamento em que Lula comparou o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas ao Holocausto.
Para isso, o documento cita este trecho da legislação brasileira: “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”.
Apesar de contar com mais de 140 assinaturas de deputados, o requerimento não entrou na pauta do plenário da Câmara. Isso porque não importa a quantidade de parlamentares que subscreveram o documento. A única condição necessária para um requerimento de impeachment de Lula entrar na pauta e poder ser apreciado pelos deputados é a anuência do presidente da Câmara.
Impeachment de Lula: de requerimentos a protestos
Além da tentativa de impeachment de Lula, que no ano que vem pode concorrer a reeleição com 81 anos, em razão da sua declaração sobre o conflito na Faixa de Gaza, a oposição buscou tornar a ameaça recorrente.
Nas redes sociais, Lula é constantemente associado a um líder frágil por políticos e apoiadores da oposição. Por vezes, sua condição de saúde foi comparada a do ex-presidente do Estados Unidos, Joe Biden, que desistiu de sua candidatura contra Donald Trump após não resistir as críticas sobre a sua capacidade de gerir o país.
Além das suspeitas sobre a cognição do atual presidente, as falas contra familiares do presidente costumam repercutir na base eleitoral identificada com a direita. Os alvos nos mandatos passados eram os filhos de Lula. Atualmente, a primeira-dama Janja Lula da Silva é quem mais entra em conflito com a oposição.
Irregularidade no orçamento do Pé-de-Meia
O pedido de impeachment de Lula com maior repercussão neste ano ocorreu em fevereiro. Na época, o governo federal havia lançado o programa Pé-de-Meia, no qual o Estado concede bolsa para estudantes que frequentam regularmente o ensino médio da rede pública.
No entanto, em janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou os pagamentos do programa ao apontar falhas orçamentárias. Após um mês, o Tribunal liberou as contas do Pé-de-Meia, mas determinou um prazo de 120 dias para a inclusão da contrapartida orçamentária.
Assim, o deputado Rodolfo Nogueira (PL/MS) preparou o requerimento para o impeachment de Lula e colheu mais de 130 assinaturas para entregar ao presidente da Câmara dos Deputados. Na justificativa, o autor do documento apontou que Lula se utilizou de recursos orçamentários não previstos para bancar o programa Pé-de-Meia. Em outras palavras, o crime de responsabilidade seria novamente uma pedalada fiscal.
Como dito, o processo tem andamento apenas com a concordância do presidente da Câmara. Em fevereiro, Hugo Motta (Republicanos/PB) herdou a cadeira de Arthur Lira (PP/AL). Assim como seu antecessor, Motta não parece inclinado a pautar o impeachment de Lula.

Presidente do Senado Federal do Brasil, Davi Alcolumbre (União/AP) e presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
Em entrevista à rádio Arapuan FM, de João Pessoa, em fevereiro deste ano, Motta afirmou que “Lula foi legitimamente eleito” e que evitaria “fazer qualquer tipo de movimento que traga instabilidade e incertezas para o país”.
Divisão entre rua e palanque
Anteriormente à eleição de Motta, havia uma sintonia entre os pedidos de “Fora Lula” de manifestações e os requerimentos de impeachment de Lula. Mas, a partir de fevereiro deste ano, enquanto parte do campo conservador continuou com a agenda para tirar Lula da presidência, outra parte concentrou energias em pedir anistia aos manifestantes de 8 de janeiro.
Sem perspectiva de avançar com o impeachment de Lula no Congresso Nacional, os esforços poderiam ser direcionados para as eleições do próximo ano. Considerando esse cenário, o bolsonarismo alterou as diretrizes para as manifestações realizadas em março e em abril.
Antes mesmo disso, Bolsonaro se distanciou de eventos públicos focados no pedido de impeachment de Lula. Em junho do ano passado, a deputada Carla Zambelli convocou uma manifestação de rua para pedir o impeachment de Lula. A expectativa era de que a direita comparecesse como frente única por uma causa, mas o ex-presidente e o pastor Silas Malafaia afirmaram que não se tratava de uma pauta de interesse do bolsonarismo.
Neste ano, o recado foi mais claro. Um dia antes da manifestação marcada para 16 de março, Bolsonaro foi às redes sociais sugerir quais as pautas seriam as bandeiras do ato. Em vídeo com legenda em inglês, o ex-presidente colocou como pauta principal a anistia dos condenados pelos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes. O impeachment de Lula não figurava mais entre as reivindicações do bolsonarismo.

Vídeo postado no X pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução
Ainda assim, a militância mantém o desejo pelo impeachment de Lula da presidência da República. De acordo com o levantamento realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cerca de 80% dos entrevistados durante o ato de março defendem o impeachment de Lula.
Impeachment após redemocratização
A queda na popularidade do governo, especialmente em comparação com mandatos anteriores, e o crescente número de pedidos de impeachment de Lula tornam o ambiente político instável. Para travar o pedido de impeachment e se manter no cargo nesse contexto, o presidente da República precisa dialogar e negociar com o presidente da Câmara dos Deputados e demais parlamentares.
Quando não há mais condições de negociação, seja por pressão popular ou por inabilidade política, o presidente da Câmara leva o pedido a plenário para votação. Foi o que fizeram os então ocupantes do cargo Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), em 1992, e Eduardo Cunha (PMDB/RJ), em 2015. Nos dois episódios, a polarização política e as crises econômicas desempenharam papéis cruciais.
Impeachment de Fernando Collor
O impeachment de Fernando Collor de Mello aconteceu em 1992, após acusações de corrupção envolvendo o tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias. Conhecido por seu slogan de campanha “caçador de marajás”, em alusão ao combate à corrupção, Collor perdeu apoio no Congresso à medida que a mobilização crescia nas ruas.
Assim, ele foi afastado do cargo em 1992 por corrupção e abuso de poder, com seus direitos políticos cassados por oito anos. Em 2006, Collor venceu as eleições para Senador por Alagoas, posição que ocupa até hoje.
Impeachment de Dilma Rousseff

Dilma foi afastada da presidência Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/ND
No caso da presidente Dilma Rousseff, o impeachment foi justificado por ilegalidade em manobras fiscais, conhecidas como “pedaladas fiscais”. O principal argumento para configurar as pedaladas como um crime de responsabilidade foi que o atraso no repasse de recursos para o Banco do Brasil infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal com manipulação do Orçamento.
A crise econômica de 2015, somada aos protestos populares que ocorriam há anos, tornou o ambiente político desfavorável para Dilma. Sem atender às demandas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), o processo foi à votação e os parlamentares destituíram Dilma da presidência da República. Apesar disso, Dilma manteve seus direitos políticos e disputou o cargo de senadora por Minas Gerais em 2018, mas não obteve os votos necessários.