Do direito à construção da cultura do acesso. Por Iraci Seefeldt

Iraci Seefeldt escreve artigo sobre a cultura ser um direito fundamental, mas ainda inacessível para muitas pessoas com deficiência. O Instituto IMPAR busca mudar isso com práticas inclusivas, promovendo uma cultura acessível e combatendo o capacitismo.

Quando sou convidada a falar sobre cultura ou ouço algum questionamento sobre as razões para garantir a acessibilidade de um espaço ou evento cultural, falo sobre Direitos Culturais. Porque constato que muitas pessoas ainda não conseguem compreender a cultura como direito do cidadão, assim como são a saúde, a educação, a moradia, o emprego ou mesmo o alimento, que mantém nosso corpo de pé, disposto a produzir e fazer parte das engrenagens da sociedade contemporânea.

A ideia da cultura como direito não é recente. A Declaração Internacional de Direitos Humanos, promulgada no pós-guerra, em 1948, prescreve, no artigo 27: “Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes”.

Aqui no Brasil, o direito à cultura está previsto no Artigo 215 da Constituição de 1988, que garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, complementado pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005, que institui o Plano Nacional de Cultura, como dever do Estado a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; a produção, promoção e difusão de bens culturais; a formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; a democratização do acesso aos bens de cultura e a valorização da diversidade étnica e regional.

Então, se nossa legislação garante que toda pessoa tem direito ao acesso e à fruição cultural, por que esse direito ainda é negado, em muitos espaços, às pessoas com deficiência, neurodivergentes e com transtorno mental?

Foi diante desse cenário que criamos no Instituto IMPAR, em 2012, o Programa de Formação Cultural Arte para Todos, e desenvolvemos princípios e práticas aplicadas de acessibilidade em projetos de oficinas de teatro, dança, música e artes visuais, pesquisa e experimentação artística, produção de espetáculos teatrais e de eventos culturais. E fazemos isso dentro de uma perspectiva de “fazer com” pessoas DEF participando do processo como artistas, alunos, consultores e integrantes da equipe técnica.

A experiência de anos de convívio com pessoas DEF (uma expressão criada por pessoas com deficiência para se referir a si próprias e a outras pessoas com deficiência, em substituição à sigla PcD) me faz compreender a acessibilidade cultural como conjunto de medidas necessárias para eliminar barreiras e promover a participação destas pessoas na vida cultural da cidade.  

Nesta trajetória, acompanhei a aprovação da Lei Nacional da Inclusão, em 2015, e pude constatar importantes avanços e conquistas no âmbito da acessibilidade física e comunicacional, já que hoje encontramos muitos espaços e prédios públicos e privados com a acessibilidade física adequada e também dispomos de ferramentas tecnológicas e dispositivos sociais que garantem a acessibilidade comunicacional para pessoas surdas e cegas.

Mas o grande abismo, no meu entender, ainda está nos aspectos da acessibilidade atitudinal, ou seja, na mudança de comportamento, o que passa pela redução do preconceito e do pensamento capacitista, que pressupõe que pessoas com deficiência não são capazes de produzir ou se inserir na sociedade, por estarem fora de um padrão físico, intelectual ou mental predeterminados.

Para construir esse entendimento anticapacitista é necessário que as pessoas entendam que o respeito à diversidade humana é um princípio fundamental, porque como humanos somos diversos, existimos e nos manifestamos de diferentes maneiras.

É necessário respeitar o direito das pessoas DEF de existirem com uma estética própria de acordo com as características do seu corpo e das suas formas de expressão; e abrir os sentidos e se permitir apreciar a estética de trabalhos produzidos por artistas DEF. É necessário reconhecer a existência da Cultura DEF e de suas múltiplas potencialidades e benefícios para a coletividade.

Então, se você ainda se está inserido neste universo da cultura do acesso, comece a prestar atenção e observe como todas essas questões também podem impactar de forma positiva na sua vida, dos seus familiares, amigos, vizinhos e na vida de muitas pessoas que fazem parte da sua rede profissional.


Iraci Seefeldt é jornalista, artista de teatro, gestora cultural, e Coordenadora de Projetos do Instituto IMPAR, de Joinville, e consultora em Acessibilidade Cultural.

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