Agricultura Regenerativa é a Salvadora dos Problemas Climáticos no Agro?

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Imagine essa cena: vacas pastando em uma grama verde, uma horta vigorosa e árvores dominando a paisagem de uma colina distante. Agora, imagine um confinamento com milhares de vacas pisoteando no chão, o cheiro de ovos podres pairando de uma lagoa de esterco e alguns cadáveres de vacas mortas esperando para serem retirados. Você preferiria viver ao lado de uma fazenda pastoral que pratica a agricultura regenerativa ou de uma fazenda industrial com milhares de vacas?

A resposta parece fácil, mas não é tão simples se a pergunta for: Qual sistema – agricultura regenerativa ou pecuária industrial – tem o maior potencial para reduzir a pegada climática da agricultura? Para contextualizar, a agricultura é responsável por cerca de 30% das emissões globais de gases de efeito estufa e 11% das emissões de clima nos Estados Unidos. A produção de carne bovina sozinha é responsável por cerca de 6% das emissões globais totais, comparado a cerca de 2,5% com o transporte aéreo.

À medida que outros setores, como energia e transporte, fazem a transição para uma abordagem mais verde, as emissões da agricultura ocuparão uma fatia ainda maior da torta. E a agricultura receberá mais escrutínio de defensores e ativistas empenhados em evitar os piores efeitos das mudanças climáticas. Dado esse impacto, será que a prática regenerativa pode ajudar a resolver os problemas climáticos do setor?

O que é agricultura regenerativa?

A agricultura regenerativa tem como objetivo restaurar a saúde dos solos por meio de práticas baseadas em processos naturais. Por exemplo, quando os produtores plantam alface ou outras culturas que aumentam o nitrogênio no solo, eles podem reduzir o uso de fertilizantes sintéticos. Quando deixam de arar o solo a cada ano, conseguem reduzir a erosão do solo. Em momentos que deixam o gado pastar nos campos, evita-se a poluição do ar causada por grandes montes de esterco e poeira.

Talvez não seja surpreendente que a agricultura regenerativa esteja ganhando popularidade como uma resposta aos males da pecuária industrial. Ao longo da história, a prática agrícola evoluiu em resposta a novas preocupações.

A Revolução Verde — um conjunto de mudanças tecnológicas e científicas na agricultura, ocorridas entre as décadas de 1940 e 1970 — foi lançada para eliminar a fome e a desnutrição generalizadas em países de baixa renda. Seus programas de melhoramento genético aumentaram o rendimento do arroz, trigo e outras grandes culturas em 44% entre 1965 e 2010.

Por outro lado, as práticas agrícolas intensivas para alimentar uma população humana crescente ameaçaram a saúde dos próprios solos, que foram devastados pela erosão, contaminados por herbicidas e fertilizantes, compactados por vacas e equipamentos agrícolas pesados, e empobrecidos de material orgânico e nutrientes.

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A perda de solos reduz a produtividade agrícola e ameaça a segurança alimentar global

Em escala global, a perda anual de 75 bilhões de toneladas de solo custa ao mundo cerca de US$ 400 bilhões por ano (R$ 2,2 trilhões na cotação atual). Entre 2015 a 2040, a degradação do solo pode reduzir a produtividade agrícola global em 12%, levando a um aumento de 30% nos preços dos alimentos – uma grande preocupação diante da recente inflação dos preços.

A agricultura regenerativa promete um sistema de produção de alimentos mais sustentável que restaura os solos e os meios de subsistência rurais, gera alimentos mais saudáveis e é resiliente a distúrbios cada vez mais severos, como inundações, secas e temperaturas extremas.

Programas de conservação na Lei Agrícola dos EUA apoiam o número crescente de agricultores que desejam adotar essas práticas. A McKinsey, consultoria americana, calcula que a agricultura regenerativa poderia proporcionar até US$ 80 bilhões (R$ 456 bilhões) em fluxos de caixa para os produtores de milho dos EUA ao longo de dez anos.

A agricultura regenerativa pode reduzir os gases de efeito estufa?

Apesar dos benefícios da agricultura regenerativa, questões sobre seu potencial para reduzir os gases de efeito estufa ainda persistem. Quais práticas da agricultura regenerativa são mais eficazes para remover os gases poluentes da atmosfera, armazenar carbono nos solos e reduzir as emissões?

Essas práticas serão capazes de alimentar uma população global crescente sem aumentar as emissões de gases de efeito estufa? Confira algumas práticas de agricultura regenerativa e sua capacidade de reduzir o CO2 na atmosfera:

Sem aração (No-till)

O no-till refere-se à agricultura sem arar o solo, uma etapa que prepara o terreno antes do plantio e que pode ser erosiva. Um estudo usando um conjunto global de dados de 178 sites experimentais concluiu que solos que não são arados podem armazenar mais carbono em alguns, mas não em todos tipos de solo e condições climáticas. Dado as condições certas, o “no-till” pode contribuir para a redução dos gases de efeito estufa.

Plantas de cobertura

Estudos mostram que as plantas de cobertura – ou culturas como o centeio plantadas para melhorar a saúde do solo em vez de serem colhidas – têm um potencial maior do que a agricultura sem aração para capturar carbono da atmosfera.

Aqui, novamente, os resultados variam muito, dependendo de fatores como o tempo que as plantas de cobertura são permitidas a crescer e os tipos de solos em que estão crescendo.

Em uma revisão de 40 estudos, as plantas de cobertura aumentaram o carbono no solo em uma média de 12%, enquanto, em outra revisão de 35 estudos, as plantas de cobertura não aumentaram o carbono no solo em 71% das comparações de locais sem plantas de cobertura.

Agrofloresta

O sistema agroflorestal refere-se ao modelo de produção que integra árvores, cultivos e, em alguns casos, a criação de animais. Uma revisão de 78 estudos de 30 países descobriu que o carbono no solo geralmente era maior em fazendas com culturas agrícolas e árvores do que em fazendas com apenas culturas, mas menor do que em florestas.

O ganho de carbono no solo sob a agrofloresta foi substancial em regiões tropicais e áridas, mas não em áreas temperadas como o nordeste dos EUA. Os resultados variaram bastante dependendo do uso anterior da terra, clima e carbono inicial do solo.

E a agropecuária?

Como a carne bovina e o leite são responsáveis por 14% a 18% das emissões globais de clima, é preciso considerar todas as abordagens para reduzir seu impacto climático. Em terras muito secas ou inadequadas para o cultivo de culturas, permitir que o gado paste livremente é um meio importante de produzir alimentos.

Na agricultura regenerativa, as vacas são autorizadas a pastar nos campos, em vez de serem alimentadas com grãos em confinamentos. Em alguns casos, o esterco nos pastos pode promover o crescimento das plantas e, como as plantas absorvem dióxido de carbono (CO2), ajudam a mitigar algumas das emissões do gado.

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Na agricultura regenerativa, o gado pasta livremente

Mas, de maneira similar aos resultados de estudos sobre culturas cultivadas com “no-till” e outras práticas regenerativas, as emissões reais da carne bovina criada em pasto e em confinamento variam amplamente, dependendo de fatores como alimentação dos animais, solos, clima e o ciclo de vida dos bovinos.

Uma revisão de 32 estudos sobre gado e laticínios descobriu que, como os consumidores pagam um preço mais alto pela carne bovina alimentada com pasto, as emissões de carbono por dólar de lucro são menores para a carne bovina alimentada com pasto do que para a carne mais barata de confinamento.

Mas outra pesquisa de 100 operações de gado em 16 países, que usou o peso da carne produzida em vez de lucro, revelou que, em média, as operações de pasto emitem mais carbono por libra de carne do que os confinamentos.

Para Dominic Woolf, cientista climático da Universidade de Cornell, em Nova York, nos EUA, as altas emissões podem ser lucrativas, mas a verdadeira questão é se, como sociedade, devemos incentivar tais práticas. “Isso vai contra a redução das emissões necessárias para desacelerar as mudanças climáticas”, explica.

Oportunidade de carbono e carne bovina criada em pasto

Como podemos explicar o resultado de que, apesar do odor ácido, do escoamento de esterco para os riachos e do tratamento muitas vezes desumano dos animais, as operações de confinamento são menos prejudiciais para o clima por libra de carne do que os sistemas de pasto? Primeiro, as emissões entéricas – os arroto de vacas carregadas de metano – acontecem em todos os sistemas de produção de gado, mas podem ser ainda maiores no gado pastando devido à dieta fibrosa.

Em segundo lugar, a capacidade dos solos de absorver carbono varia amplamente entre diferentes pastos, mas, em avaliações do ciclo de vida, isso não compensa as emissões de metano da vaca e a maior área de terra necessária para pastagem em comparação com os confinamentos.

Talvez o mais importante seja o “custo de oportunidade de carbono” – as reduções potenciais nos gases de efeito estufa se, em vez de serem usadas para pasto de vacas, a mesma terra fosse usada para cultivar florestas, restaurar ecossistemas nativos ou outras práticas que armazenam maiores quantidades de gases de efeito estufa.

Outra maneira de pensar nisso é que um animal criado em pasto vive mais tempo, mas não cresce tanto quanto um de confinamento. Isso significa que mais bovinos e mais terra são necessários para alimentar a fome do mundo por carne.

Simplificando, os confinamentos produzem mais carne em menos terra do que os pastos. Sendo mais produtivos, a pecuária industrial preserva a terra para florestas e outros usos que armazenam carbono.

O World Resources Institute (WRI), organização global de pesquisa que trabalha para desenvolver soluções sustentáveis para desafios ambientais, sociais e econômicos, explica a importância de levar em consideração os custos de oportunidade de carbono – ou a quantidade de terra que não é convertida em agricultura quando as fazendas existentes produzem grandes quantidades de alimentos.

Tudo isso levou George Monbiot, autor e ambientalista, a declarar que a carne orgânica e alimentada com pasto é um dos produtos agrícolas mais prejudiciais à natureza.

Como devemos pensar sobre agricultura regenerativa e clima?

Para o professor Woolf, as respostas para essa pergunta são complexas. Embora a capacidade das práticas regenerativas de reduzir os gases de efeito estufa varie entre diferentes paisagens, a boa notícia é que grande parte dessa variabilidade pode ser explicada e prevista. Se implementarmos as ações certas nos lugares certos, a agricultura regenerativa pode reduzir as emissões dos gases de efeito estufa.

A má notícia é que, mesmo que os agricultores em todo o mundo implementem as práticas mais propensas a reduzir gases poluentes, enquanto mantêm a produtividade, o impacto geral será apenas uma pequena fração do que é necessário para alcançar nossas metas climáticas. Usando modelos complexos, Woolf e seus colegas calcularam que a agricultura regenerativa pode reduzir os gases de efeito estufa em uma média de 0,5 gigatoneladas de CO2-e/ano — medida que padroniza as emissões entre gases com maior potencial de aquecimento, como metano e óxido nitroso.

Mas esse número não leva em conta a possibilidade de menores rendimentos mostrados para algumas práticas agrícolas regenerativas. Usando apenas práticas que aumentam ou mantêm os rendimentos (e, assim, poupam outras terras de serem convertidas em agricultura), apenas 0,2% das emissões globais atuais serão evitadas com a adoção das práticas de agricultura regenerativa globalmente.

Então, o que podemos fazer? A agricultura regenerativa apresenta bons argumentos para ser tida como uma solução. Ela é mais resiliente a climas extremos, reduz a erosão e a poluição do solo e cria paisagens e vizinhanças desejáveis.

Mas como uma solução climática para reduzir as emissões da agricultura, não é respaldada pela ciência mais recente. Ao mesmo tempo, é preciso pensar sobre como alimentar a população mundial de uma maneira que reduza os gases de efeito estufa e evite as altas taxas de erosão do solo e poluição da água da pecuária industrial.

É importante desconfiar e estudar as alegações de que as práticas de agricultura regenerativa terão um grande impacto na redução das emissões climáticas.
Como cidadão, peça ao governo, órgãos alimentares e ambientais, e às empresas de alimentos que apoiem a pesquisa e o desenvolvimento de abordagens tanto baseadas na natureza quanto em alta tecnologia para o cultivo de alimentos que aumentem a produtividade.

Investidores também podem apoiar produtores que têm interesse em implementar práticas comprovadas para reduzir os gases de efeito estufa sob as condições adequadas, incluindo aquelas que atualmente são caras, como o biochar, carvão vegetal produzido a partir da queima controlada de biomassa.

Não há respostas fáceis. Mas por enquanto, é importante valorizar a agricultura regenerativa pelas razões certas – seu potencial para restaurar solos saudáveis e criar paisagens bonitas que qualquer pessoa gostaria de viver ao lado. Mas não por sua capacidade de ser uma solução única para reduzir rapidamente as emissões climáticas.

* Marianne Krasny é colaboradora da Forbes EUA e pesquisadora de nas áreas de educação ambiental e comunidades sustentáveis. Atualmente, ela também atua no Departamento de Desenvolvimento de Comunidades e Sustentabilidade, na Universidade de Cornell, em Nova York.

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