Como as Batalhas de Rima Impulsionam Carreiras no Rap Brasileiro

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Na efervescência das ruas, sob a luz amarelada dos postes e o som pulsante das caixas de som improvisadas, as batalhas de rima se tornaram um dos pilares do rap nacional. Ao longo das últimas décadas, esses duelos de palavras afiadas saíram dos becos e praças para alcançar milhões de espectadores no YouTube e até estádios lotados. O formato, que antes era visto como um movimento underground, consolidou-se como uma vitrine para artistas que hoje dominam a cena musical nacional. 

“O rap ainda é o gênero musical mais impactante da atualidade”, disse Kendrick Lamar, quando sua participação no Super Bowl foi anunciada, em setembro de 2024. Mas, quando se trata do rap no Brasil, o impacto é tão grande que ultrapassa as barreiras continentais e chama a atenção de figuras internacionais. Um exemplo é Will Smith que, em junho de 2024, exaltou as batalhas brasileiras, chamando-as de “fora de série”.

Além disso, o cenário ganhou uma nova dimensão com a chegada de projetos como a competição da Netflix e o reality musical “Nova Cena”, em que acontece a disputa de R$ 500 mil entre talentos emergentes do rap brasileiro. Mas qual o real impacto das batalhas na vida dos MCs? Como elas contribuem para a profissionalização do rap e para a democratização da cultura? 

Da roda para o estrelato: a importância das batalhas na formação de artistas

A história do rap nacional se confunde com a das batalhas. Artistas como Djonga, Emicida, Orochi e Xamã saíram desse meio e pavimentaram um caminho para as novas gerações. As irmãs Tasha e Tracie, que marcaram presença na icônica Batalha da Santa Cruz, destacam o impacto desses eventos na sua trajetória.

“A batalha foi muito importante. Foi ali que conhecemos o rolê do rap nacional e nos conectamos com pessoas que tinham pouca estrutura. Foi nesse espaço que aprendemos que, se não fizéssemos por nós mesmas, ninguém faria”, explicam.

Essa sensação de pertencimento também foi vivida por Apollo, MC de 22 anos que já foi destaque em diversas batalhas, e que recorda sua primeira experiência como um divisor de águas. “Eu perdi na primeira fase, mas naquele momento eu tinha ganhado algo bem maior. A experiência de estar ali, de sentir a energia, foi transformadora”, conta. Da mesma forma, Devilzinha, rapper de 23 anos que se identifica como uma trans não-binária e prefere o uso de pronomes femininos, destaca que as batalhas foram um espaço de descoberta e afirmação: “Minha irmã me levou na minha primeira batalha. No começo eu nem entendia direito, mas foi ali que percebi que o rap poderia ser minha vida”.

Reprodução/Instagram

Tasha e Tracie: “Foi nesse espaço que aprendemos que, se não fizéssemos por nós mesmas, ninguém faria”

Apesar das dificuldades, as batalhas se tornaram um refúgio. “Muita gente que batalha vem de realidades muito duras. Às vezes o cara não tem dinheiro nem para pegar o ônibus até o evento, mas ainda assim vai porque sabe que ali é um lugar de acolhimento”, lembra Tasha. Bruno de Souza, o Bob, fundador da Batalha da Aldeia, reforça essa ideia: “As batalhas são válvulas de escape para a juventude periférica. Já recebemos relatos de pessoas que desistiram de entrar no crime ou de tirar a própria vida por causa da batalha. Isso é muito maior que música”.

A nova geração e o futuro das batalhas

Com o crescimento das batalhas, o cenário se diversificou e abriu espaço para novas identidades. No entanto, os desafios persistem. “Ainda existe preconceito dentro do meio. Como mulher trans, eu sinto olhares e julgamentos, mas já aprendi a calar todo mundo com minhas rimas”, conta Devilzinha. Ao mesmo tempo, Pedro Valentim, integrante da Família de Rua, que é a organização responsável pelo Duelo Nacional, enfatiza que a cena tem evoluído em termos de inclusão. “Temos um regulamento que exige pelo menos 25% das vagas reservadas para diversidade. Isso tem feito a diferença”.

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Apollo: “A experiência de estar ali, de sentir a energia, foi transformadora”

Apollo acrescenta que, apesar do espírito de comunidade, a pressão psicológica é grande. “A batalha é um campo de treino, mas também um lugar onde a cobrança pesa. Muitos MCs começam a ganhar notoriedade, mas ainda não conseguem se manter financeiramente. Isso gera uma frustração enorme”.

Por outro lado, para quem persiste, as batalhas podem ser um trampolim. “Orochi, Xamã, Azzy, Menor Toddynho… tem muita gente que começou na batalha e hoje vive de música”, afirma Devilzinha. Pedro concorda: “A gente tem que enxergar as batalhas como um esporte. Os MCs estão se tornando atletas da palavra, sendo contratados por times de futebol e marcas gigantes. Isso é um novo mercado”.

Devilzinha: “Aprendi a calar todo mundo com minhas rimas”

O impacto econômico das batalhas: um mercado em expansão

O crescimento das batalhas não só impulsionou carreiras, mas também criou um novo mercado dentro da cultura hip-hop. Bob revela que a profissionalização trouxe novas possibilidades financeiras para os MCs. “Hoje, temos batalhas com premiações semanais. O campeão da BDA, por exemplo, recebe R$ 2 mil, além de prêmios de patrocinadores. Já no nosso evento anual, distribuímos R$ 100 mil em prêmios”, explica.

Pedro complementa que a monetização das batalhas está em ascensão. “Em 2019, fizemos um evento com 40 mil pessoas. Já trabalhamos com grandes marcas e estamos conseguindo captar recursos por meio de leis de incentivo à cultura”, diz.

Reprodução/Facebook

Pedro Valentim: “Queremos que as batalhas sejam espaços onde todo mundo se sinta pertencente”

Apesar do crescimento, o dinheiro ainda não chega para todos. “A maior dificuldade do MC em ascensão é a falta de estabilidade financeira. Muitas batalhas ainda não pagam premiação, ou quando pagam, não é suficiente para se sustentar”, aponta Apollo. Devilzinha complementa: “A premiação depende de muitos fatores. Às vezes, MCs mais famosos recebem mais, mesmo que não tenham vencido tantas batalhas. Isso ainda precisa melhorar”.

Um futuro promissor, mas com desafios

O caminho das batalhas de rima até sua consolidação foi longo e desafiador. Se antes esses eventos eram reprimidos, hoje são reconhecidos como uma expressão legítima da cultura hip-hop. Em 2024, por exemplo, o estado do Rio de Janeiro avançou nesse reconhecimento ao propor a inclusão das batalhas de rima como atividade de ensino nas escolas públicas, reforçando seu papel educativo e cultural.

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Bob: “As batalhas são válvulas de escape para a juventude periférica”

Por outro lado, desafios persistem. No Distrito Federal, a criminalização das batalhas de rima ainda é um tema de debate, tendo sido pauta de uma audiência pública em novembro de 2024. Essa dualidade mostra que, enquanto algumas regiões abraçam essa manifestação artística, outras ainda a encaram com desconfiança. Além disso, a inclusão de gênero, raça e classe continua sendo um obstáculo dentro do movimento, refletindo desigualdades mais amplas da sociedade.

Tasha e Tracie apontam que algumas batalhas já avançaram nesse sentido, mas ainda há barreiras. “Tem batalhas que acolhem bem mulheres e pessoas trans, mas o cenário como um todo ainda reflete as desigualdades da sociedade”, comentam. Pedro reforça: “Queremos que as batalhas sejam espaços onde todo mundo se sinta pertencente. A cultura hip-hop precisa continuar sendo um movimento de resistência e inclusão”.

Com projetos de expansão internacional e uma estrutura profissional cada vez mais forte, esses eventos continuarão sendo um dos principais pilares do rap nacional. Mais do que revelar talentos, as batalhas seguem cumprindo um papel fundamental: dar voz a quem por muito tempo foi silenciado.

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