Opinião | O último bailinho de carnaval de um velho rei: a quarta-feira de cinzas do PSDB

Se Adão perdeu uma costela para dar vida a Eva, o MDB perdeu algumas para parir o PSDB lá no início deste período democrático que estamos experimentando. Mas, diferente da criação divina, que resultou na perpetuação da espécie humana, essa cirurgia política parece ter gerado uma criatura com prazo de validade. Ao que tudo indica, março pode muito bem acabar marcando a volta do tucanato para o ventre materno.

É inegável a importância histórica do PSDB para o Brasil — tão inegável quanto sua atual irrelevância. O partido surgiu cheio de pompa, com intelectuais e políticos bem-apessoados, com cheiro e cara de limpinhos… mas, como em toda festa que se estende por tempo demais, sobrou apenas o salão vazio, as serpentinas pelo chão e um punhado de convidados dispersos, sem saber se pedem um último drinque ou se pegam logo o táxi para casa.

O baile acabou. A quarta-feira de cinzas chegou mais cedo para a agremiação que já não consegue mais exibir suas plumagens antigas. De campeão de votos a coadjuvante sem falas, o partido que elegeu e reelegeu presidente agora ensaia seu último suspiro, provando que nem mesmo os PhDs em ciência política são imunes às leis darwinianas da evolução política.

Como tudo nestes dias, aos olhos de uma parte da sociedade, é comunismo, vou me aproveitar do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels: “tudo que é sólido se dissolve no ar”. Neste caso, entretanto, o correto seria dizer que tucanos se desmancham no muro.

Sim, porque foram mestres na arte de se equilibrar na cerca, sem nunca assumir um lado com convicção. Fugiam da pecha de “centro-direita”, mas também não queriam se comprometer com a esquerda. O resultado? Acabaram parecendo uma versão política do gato de Schrödinger: ao mesmo tempo estavam e não estavam em lugar algum.

Inspirado pelos sábios da antiguidade, o PSDB adotou uma espécie de sofocracia. Platão imaginava que os filósofos deveriam governar, pois eram os únicos capazes de compreender a ideia do Bem. Fernando Henrique Cardoso encarnou esse ideal: um acadêmico brilhante, um intelectual refinado, um homem de ideias. Mas a sofocracia platônica dos anos 90, capitaneada pelo sociólogo FHC, transformou-se numa espécie de “mesocracia” (do grego mésos: meio; krátos: poder) — o governo do meio do muro. Como Buridan e seu asno filosófico, o partido morreu de fome por não conseguir escolher entre dois montes de feno.

Fernando Henrique Cardoso, o Platão tupiniquim, estabilizou a economia, mas deixou a desejar no social. Vendeu a Vale como quem vende um Fusca usado no OLX, enquanto tentava equilibrar-se entre ser de direita sem admitir e de esquerda sem conseguir.

O PSDB envelheceu mal. Ficou lento para inovar, avesso ao risco, desconectado da classe média e alheio às demandas populares. Em Santa Catarina, por exemplo, teve lampejos de sucesso em municípios, mas nunca ousou de fato. E quando teve um governador, foi por substituição, após a renúncia do eleito para o cargo — e este era um tucano mais por conveniência do que por convicção. O mesmo vale para o Senado: Paulo Bauer e Leonel Pavan não eram orgânicos do partido. O único “prata da casa” que assumiu um mandato de destaque foi Dalírio Beber, que herdou o cargo de Luiz Henrique da Silveira (MDB).

“Político é o único animal que pode ressuscitar”, profetizava Luiz Henrique. Mas será que o PSDB tem esse poder? Ou será que já virou alma penada, vagando sem rumo pelos corredores de Brasília?

E para onde irão os órfãos do tucanato? O MDB os espera de braços abertos, como um pai que recebe o filho pródigo — mas um pai que também anda de bengala e fraldas geriátricas. Outros, talvez, migrem para o PSD, onde o pragmatismo é menos disfarçado.

Alguns, como Sylvio Zimmermann, simplesmente não combinam com a sigla do velho “MDB de Guerra”. Já a vice-prefeita Maria Regina deve encontrar seu caminho lá, quem sabe até quebrando um longo jejum de deputados estaduais eleitos diretamente pelo “Manda Brasa” de Blumenau, algo que não ocorre desde a década de 1980.

Será que esse provável reencontro PSDB/MDB poderá oferecer mais energia para o fortalecimento do partido? Ou este é o abraço terno de afogados?

O MDB, que também já foi um colosso, mingua a cada eleição. Em Santa Catarina, por exemplo, não encontrou substituto para sua maior liderança e segue encolhendo, servindo de figurante para os projetos do governador da vez. Sem rumo, sem identidade, sem projeto próprio, corre o risco de se tornar apenas um coadjuvante, como um folião que já foi rei do carnaval e hoje se contenta em carregar bandeira de terceiros.

Em breve, esses dois gigantes da política brasileira poderão dividir a mesma ala geriátrica partidária, relembrando os tempos de glória enquanto assistem novelas e reclamam da juventude. Darwin aplaudiria: é a seleção natural em sua forma mais cruel — ou mais justa.

O fato é que, em março, a banda do PSDB tocará sua última marchinha. Os confetes acabarão. O salão será fechado. E o destino de seus sobreviventes permanecerá incerto.

O PSDB teve seu tempo, mas o relógio andou. Agora, resta saber se conseguirá uma reencarnação política ou se, como tantos partidos antes dele, se tornará apenas uma nota de rodapé nos livros de história.

No fim, como cantava Emilinha Borba, “tomara que chova, três dias sem parar”. Porque, convenhamos, depois de tanto tempo em cima do muro, talvez os tucanos precisem mesmo de um bom banho de realidade antes de pensarem em qualquer recomeço. O último confete caiu, a serpentina desbotou, e os foliões-tucanos precisam, agora, encontrar um novo bloco para desfilar.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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