Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.
Com base em dados divulgados pelo governo, do total arrecadado com o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), apenas 2,54% vêm dos 141 mil mais ricos do país. Parte disso é justificado pelo fato de que a origem da fortuna dessas pessoas vem de dividendos e lucros, ambos não tributados no Brasil.
Um levantamento feito pelo economista Sérgio Wulff Gobetti e divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que basicamente quem ganha mais dinheiro, paga proporcionalmente menos Imposto de Renda (IR). A pesquisa levou em conta não apenas a renda das pessoas físicas, mas também o quanto elas recebem com ganhos de uma empresa.
Essa constatação fica mais evidente através dos números. Por exemplo, 0,01% da população recebe R$ 8 milhões anualmente e paga uma alíquota de aproximadamente 13%, mesmo percentual de um contribuinte cuja renda anual é de R$ 72 mil. Quando falamos dos 0,1% mais ricos do Brasil, com renda mínima de R$ 1,4 milhão anual, o percentual do imposto é de aproximadamente 13,2%, uma diferença próxima de 1 ponto percentual (p.p.) em relação a pessoas que somam em 12 meses R$ 78 mil. No caso dos 1% mais afortunados (renda anual de R$ 313 mil), a diferença é ainda menor, apenas 0,7 ponto percentual.
O dia 30 de maio, prazo final para a entrega da declaração, está cada vez mais próximo. Enquanto isso, o Projeto de Lei (PL) 1.087/2025 tenta minimizar essa discrepância. Entenda como é hoje a tributação sobre os super ricos e como ela pode ficar, caso esse PL avance.
Como é hoje
No formato atual do Imposto de Renda não há uma definição do que é um contribuinte super rico. Júlio César Soares, advogado e sócio do escritório Dias de Souza, afirma que, embora não exista uma definição explícita, os membros do “topo da pirâmide” são classificados com base em dados do Ipea e da Receita Federal (RF).
Estabelecer uma faixa de renda como grande fortuna é um desafio para o Brasil há quase 50 anos, segundo a professora doutora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócia do escritório Heleno Torres Advogados, Tathiane Piscitelli. “Desde a Constituição de 1988, sempre tivemos uma discussão a respeito disso. Há vários Projetos de Lei, mas nenhum sai do papel, justamente por essa dificuldade em conceituar o que seria uma grande fortuna. Logo, é uma escolha política”, explica.
Hoje, os super ricos podem ser tributados de duas maneiras: por salário ou por dividendos. No primeiro caso, a base é a tabela progressiva do imposto de renda que tem como teto 27,5%. Enquanto no segundo, há isenção prevista em Lei. “Ainda assim, devido a isenções e deduções, a alíquota efetiva para os mais ricos pode ser significativamente menor”, afirma Eduardo Correa da Silva, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB SP. De acordo com dados da RF, uma pessoa com renda anual de R$ 1 milhão paga uma alíquota de 1,5%, portanto R$ 1,5 milhão.
A reforma do IR
Desde 18 de março deste ano, o PL 1.087 aguarda a aprovação do Congresso Nacional. A proposta do governo Lula prevê que pessoas cuja renda anual varie entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão paguem, além da tributação atual, uma taxa que varia progressivamente entre 0% e 10%. Já aqueles com renda superior a R$ 1,2 milhão terão alíquota complementar de 10%.
O objetivo desse aumento da tributação é compensar a proposta de isentar quem recebe até R$ 5 mil por mês. De acordo com o Governo Federal, a mudança afetaria 141,3 mil pessoas, mas beneficiaria 10 milhões de contribuintes com a isenção. O PL está na Câmara dos Deputados e ainda tem de passar pela análise das comissões para então ser submetido ao plenário. Caso seja aprovado, ele seguirá para o Senado. Para começar a valer a partir de 2026, é necessário que o projeto seja aprovado ainda neste ano.
“Em suma, a tributação de lucros e dividendos, atualmente isentos, visa corrigir distorções que permitiam que rendas elevadas, até então, pouco ou nada tributadas, sejam objeto de uma tributação mínima”, diz Silva.
O PL estabelece ainda a possibilidade de haver uma retenção de imposto na fonte de 10%, incidente sobre dividendos distribuídos de uma empresa para uma pessoa física, cujo valor passe dos R$ 50 mil mensais. “Existirá uma tributação mensal e uma anual, com compensação sobre o que foi pago nos meses anteriores em dividendos a partir desse valor”, explica Piscitelli.
No entanto, o valor do imposto sobre a renda das pessoas físicas mínimo (IRPFM) “dependerá da estrutura jurídica da renda, da origem dos lucros e do total já pago na fonte geradora”, diz Soares. Segundo ele, no caso de holdings, reinvestimento de lucros e blindagem patrimonial, será possível mitigar a incidência desse novo tributo.
“Os super ricos se valem de mecanismos de postergação, pulverização e planejamento fiscal que mantêm a riqueza fora do radar da tributação direta, seja pela não distribuição de lucros, seja pela sua conversão em ativos protegidos por estruturas societárias sofisticadas”, diz o sócio do Dias de Souza.
Foco deveria ser nos 0,01%
Os especialistas enfatizam que o PL é um passo importante para aperfeiçoar o regime tributário do país. No entanto, eles consideram que há falhas. Piscitelli avalia que a grande questão é que não há uma progressividade adequada dentro do imposto de renda. Ela explica que o projeto atual não considera que há desigualdade inclusive entre as pessoas com maior renda. “Em torno de 1% da população brasileira recebe R$ 32 mil mensais, enquanto apenas 0,01% ganham quase R$ 750 mil. É uma diferença abissal e o PL simplifica essa disparidade”, diz.
Além disso, a proposta atual não prevê atualizações monetárias, ou seja, independentemente de o poder aquisitivo crescer ou diminuir, a faixa de renda dos super ricos será a mesma.
Já o advogado do Dias de Souza aponta que “a base de incidência permanece centrada em fluxos declarados de renda e não no estoque de patrimônio acumulado”. Por isso, embora corrija as chamadas distorções distributivas, ele ainda não alcança os super ricos sob a ótica patrimonial. “Muitos deles são blindados por holdings, fundos exclusivos e ativos internacionais, que não estão previstos por essa tributação mínima”, explica.
Outra questão é em relação à defasagem da tabela do Imposto de Renda, que não é corrigida conforme a inflação. “Isso implica em renúncia de receita e teremos mais um problema fiscal caso o PL seja aprovado no seu formato atual”, diz a professora da FGV.
Segundo ela, a solução seria estabelecer um piso maior para a definição de super ricos e focar mais nos contribuintes de alta renda. “Estamos desconsiderando a realidade da população brasileira. Embora R$ 50 mil mensais seja muito dinheiro, não é a renda de um super rico”, enfatiza Piscitelli.
“O PL até possui seus méritos corretivos e simbólicos importantes, mas não chega perto de tratar corretamente a necessidade de tributação da renda com base em uma agenda de justiça fiscal”, diz Soares. Ele explica que uma reforma correta precisaria rever profundamente, além de outros aspectos, as regras de transparência patrimonial e especialmente a tributação da riqueza em formato sistêmico. Isso tudo demandaria tempo, técnica e, acima de tudo, debate democrático.
O post Como Funciona o Imposto de Renda dos Bilionários no Brasil apareceu primeiro em Forbes Brasil.