Tratar a castração de animais domésticos apenas pela ótica social, como faz a Prefeitura de Blumenau ao condicioná-la ao Cadastro Único (CadÚnico), é um erro conceitual que compromete a efetividade de uma política pública fundamental. Embora a intenção de priorizar famílias em situação de vulnerabilidade social seja legítima, restringir a castração gratuita a esse público revela uma visão limitada do problema e ignora a sua dimensão coletiva.
A superpopulação de cães e gatos nas cidades não é uma questão individual. Animais se reproduzem sem respeitar barreiras sociais, e os impactos disso — como abandono, maus-tratos, disseminação de doenças, acidentes de trânsito e desequilíbrios ecológicos — afetam toda a sociedade. Por isso, a castração não deve ser tratada como um benefício assistencial, mas como uma estratégia de prevenção coletiva. Trata-se de uma ação comparável a campanhas de vacinação, que visam proteger a população como um todo.
Assim como vacinas precisam atingir uma alta cobertura para gerar imunidade coletiva, a castração exige uma massa crítica de animais esterilizados para que a taxa de natalidade e abandono diminua de forma significativa. Castrar apenas animais cujos tutores se enquadram em critérios socioeconômicos não é suficiente. Basta que um pequeno grupo de animais permaneça fértil para que todo o esforço seja comprometido.
Em Blumenau, a Prefeitura vem realizando mutirões de castração gratuitos desde 2022, beneficiando ONGs, protetores independentes cadastrados e famílias incluídas no CadÚnico. Até agora, cerca de 19.275 animais foram esterilizados por meio dessas ações. Apesar disso, a política pública ainda falha ao excluir famílias de classe média e protetores não registrados que acumulam animais resgatados e não têm condições financeiras de custear a cirurgia.
Essa exclusão não é apenas injusta — é ineficiente. O excesso de critérios e a burocratização do acesso tornam a política de castração restrita, limitada e pouco efetiva. Uma política pública realmente eficaz precisa ser ampla, acessível e territorializada, com mutirões regulares, parcerias com clínicas e ONGs, presença ativa nos bairros e ações educativas contínuas. A lógica da vacinação deve inspirar a lógica da castração: o foco não pode ser só em quem mais precisa, mas em quantos precisam ser alcançados para que o resultado desejado seja possível.
Castrar animais é prevenir abandonos, controlar zoonoses, evitar o sofrimento de milhares de filhotes sem destino e, ao mesmo tempo, reduzir os custos que recairiam mais tarde sobre os cofres públicos. A castração, quando pensada de forma coletiva, é um investimento — não um gasto.
Está na hora do poder público abandonar a visão limitada e reconhecer a castração como o que ela realmente é: uma política pública coletiva, preventiva e estratégica. A superpopulação animal não será contida com medidas pontuais nem com filtros excludentes. A mudança real só virá quando a castração for tratada como um direito dos animais e um dever do Estado com a sociedade.
Jean Volpato, vereador de Blumenau pelo PT