{"id":43815,"date":"2024-09-10T19:42:57","date_gmt":"2024-09-10T22:42:57","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia6.jornalfloripa.com.br\/agencia6\/43815"},"modified":"2024-09-10T19:42:57","modified_gmt":"2024-09-10T22:42:57","slug":"o-stf-e-o-velho-truque-do-inimigo-externo-por-eduardo-de-mello-e-souza","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia6.jornalfloripa.com.br\/agencia6\/43815","title":{"rendered":"O STF e o (velho) truque do inimigo externo. Por Eduardo de Mello e Souza"},"content":{"rendered":"
Eduardo de Mello e Souza escreve artigo sobre o conceito do \u201cinimigo externo\u201d, popularizado por George Orwell em suas obras A Revolu\u00e7\u00e3o dos Bichos<\/em> e 1984<\/em>. O autor explora como governos autorit\u00e1rios utilizam esse inimigo fict\u00edcio para desviar a aten\u00e7\u00e3o das cr\u00edticas internas, mobilizando a popula\u00e7\u00e3o em torno de uma amea\u00e7a inexistente. Eric Blair, mais conhecido pelo seu pseud\u00f4nimo George Orwell, aperfei\u00e7oou um conceito antigo e comum \u00e0s suas duas principais obras (A Revolu\u00e7\u00e3o dos Bichos<\/em> e 1984<\/em>): o tal do inimigo externo. N\u00e3o se tratava ali, por \u00f3bvio, de um inimigo real, mas de uma constru\u00e7\u00e3o pol\u00edtica por um governo de vi\u00e9s autorit\u00e1rio, destinada \u00e0 manipula\u00e7\u00e3o do p\u00fablico interno sempre que o regime se via questionado.<\/p>\n A ideia era t\u00e3o simples quanto brilhante. Afinal, toda forma de questionamento pol\u00edtico e todas as diverg\u00eancias que comprometem um governo empalidecem quando uma amea\u00e7a externa (ainda que criada artificialmente) compromete a exist\u00eancia do pa\u00eds. O objetivo \u00e9 mobilizar a popula\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s da m\u00eddia estatal, induzindo a uni\u00e3o de todos para enfrentar um mal maior.<\/p>\n O sintoma mais aparente desse discurso adv\u00e9m do uso de express\u00f5es batidas como \u201csoberania nacional\u201d, \u201crespeito \u00e0 legalidade\u201d, \u201cintromiss\u00e3o externa\u201d e a mais comum \u201cataque dos mercantilistas estrangeiros\u201d. \u00c9 uma situa\u00e7\u00e3o tragic\u00f4mica. N\u00e3o existe inimigo, n\u00e3o existe amea\u00e7a concreta, mas a massifica\u00e7\u00e3o midi\u00e1tica se encarrega de incutir uma cren\u00e7a generalizada de um risco comum a todos os cidad\u00e3os.<\/p>\n H\u00e1 pouco mais de dez dias, o STF estava sob o cerco da suspei\u00e7\u00e3o. O vazamento de conversas entre o ministro Alexandre de Moraes, que preside o chamado \u201cinqu\u00e9rito do fim do mundo\u201d (n\u00ba 4781), e um assessor, dando conta do direcionamento de investiga\u00e7\u00f5es e busca de provas, gerou uma sombra de parcialidade no trato daquele processo. A situa\u00e7\u00e3o estava insustent\u00e1vel, face \u00e0 mem\u00f3ria recente da Lava Jato fulminada pela Vaza Jato.<\/p>\n Frases de efeito usadas por Ministros do STF, \u00e0 \u00e9poca, para tornar suspeito o ent\u00e3o Juiz Sergio Moro voltaram \u00e0 tona com inevit\u00e1vel toque ir\u00f4nico: \u201cn\u00e3o se pode combater o crime cometendo outro crime\u201d, disse, ent\u00e3o, o Min. Gilmar Mendes ao anular a Lava Jato. E a roda do destino, essa debochada, se encarregou de tornar a frase mais atual do que nunca, deixando uma leve impress\u00e3o de que o mundo n\u00e3o gira, capota.<\/p>\n O temor maior nem era em rela\u00e7\u00e3o ao que j\u00e1 havia sido divulgado, mas ao que ainda estaria por vir. O Min. Alexandre de Moraes, acuado, mandou apreender o celular do assessor. O STF se fechou em copas e manteve seu tradicional esp\u00edrito de corpo, apoiando, pelo menos naquele momento, seu membro mais popular.<\/p>\n Eis que, no momento mais delicado da hist\u00f3ria recente do STF, surge a providencial figura de Elon Musk. Bilion\u00e1rio, dono da Tesla, da Space X e do ex-Twitter (atual X), cara de nerd, jeito de vil\u00e3o de filmes de 007, ele preenche \u00e0 risca o perfil do inimigo externo ideal.<\/p>\n Ele n\u00e3o sabe ainda, mas pode ter salvado o STF que tanto quer combater.<\/p>\n Duas ou tr\u00eas bravatas ironizando a condi\u00e7\u00e3o do Min. Alexandre de Moraes foram suficientes para desencadear uma das maiores mobiliza\u00e7\u00f5es de provimentos judiciais para calar o bilion\u00e1rio fanfarr\u00e3o. N\u00e3o ser\u00e1 exagero dizer que o STF foi \u00e0s \u00faltimas consequ\u00eancias, tirando do ar a rede social de maior espectro e abrang\u00eancia do mundo, aplicando multas a quem quer que ousasse acessar o \u201cX\u201d, e apreendendo o dinheiro at\u00e9 de empresas coligadas. Mero detalhe: ainda \u00e9 um inqu\u00e9rito sigiloso. N\u00e3o existe processo. E ningu\u00e9m sabe os fundamentos de qualquer decis\u00e3o.<\/p>\n Foi o suficiente para virar o jogo. A m\u00eddia acolheu a campanha ufanista do \u201cBrasil \u00e9 nosso\u201d, apagou o passado recente, e caiu no discurso f\u00e1cil da defesa da soberania: afinal, as leis precisam ser obedecidas. Mas quais leis? Essa seletividade espanta, quando se est\u00e1 diante de um inqu\u00e9rito que perdura inconclusivo por mais de 5 anos (a lei fala em 30 dias); sem a iniciativa do Minist\u00e9rio P\u00fablico (a quem a lei atribui a iniciativa investigat\u00f3ria); por distribui\u00e7\u00e3o direcionada ao Min. Alexandre (a lei fala em sorteio de relator), dentre diversas outras leis providencialmente esquecidas, mas cuja desobedi\u00eancia anularia qualquer outro inqu\u00e9rito, menos o 4781.<\/p>\n Exceto por alguns ind\u00edcios muito leves de fissuras internas (ressalvas do Min. Fux na 1\u00aa Turma; e a remessa ao plen\u00e1rio, pelo Min. Nunes Marques, das a\u00e7\u00f5es do NOVO e da OAB), a tend\u00eancia ser\u00e1 a de manter tudo como est\u00e1. Mas os debates deixar\u00e3o claro que o inimigo do STF n\u00e3o \u00e9 externo, \u00e9 interno: o pr\u00f3prio inqu\u00e9rito, que se tornou maior que o Tribunal.<\/p>\n Elon Musk salvou o STF, pelo menos por enquanto\u2026<\/p>\n Eduardo de Mello e Souza \u00e9 advogado, Vice- O post O STF e o (velho) truque do inimigo externo. Por Eduardo de Mello e Souza apareceu primeiro em Upiara.<\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Eduardo de Mello e Souza escreve artigo sobre o conceito do \u201cinimigo externo\u201d, popularizado por George Orwell em suas obras A Revolu\u00e7\u00e3o dos Bichos e 1984. O autor explora como governos autorit\u00e1rios utilizam esse inimigo fict\u00edcio para desviar a aten\u00e7\u00e3o das cr\u00edticas internas, mobilizando a popula\u00e7\u00e3o em torno de uma… Continue lendo
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Presidente da OAB\/SC, Professor UFSC.<\/p>\n