Opinião | O Santo e os Arranha-Céus: Reflexões de um Parque em Risco

São Francisco de Assis é um dos santos mais populares do panteão católico. Nascido na Itália, em 1182, filho de uma família endinheirada. Quando jovem, era conhecido por seu gosto pelas festas e pela vida de luxo e ostentação. Um típico rapaz de classe alta.  Um dia, ao cruzar o caminho de um morador de rua, sentiu uma compaixão profunda. Aquela cena o marcou tanto que, aos poucos, Francisco foi se afastando da vida de ostentação e se aproximando dos pobres e doentes.

Diz a lenda que foi então que, o santo, decidiu abandonar toda a fortuna de sua família, entregando-se ao que considerava seu verdadeiro propósito. Despiu-se das roupas finas e passou a andar descalço, vestido apenas com um simples manto. Ele encontrou paz ao viver entre os pobres, pregando sobre a simplicidade e o amor universal. São Francisco se tornou também um defensor da natureza. Conversava com os animais e via em toda criatura uma parte sagrada da criação. 

São Francisco também era um construtor. Depois de ser processado pelo próprio pai, o beato passou a dedicar-se à construção e reconstrução de igrejas. A partir de material doado pelos fiéis dedicava-se ao restauro das capelas ao redor de Assis. São Francisco de Assis foi canonizado pela Igreja Católica em 16 de julho de 1228, apenas dois anos após sua morte. O Papa Gregório IX, que reconheceu oficialmente a santidade de Francisco. 

Verdadeira ou não, a história do santo de Assis é atual. Em tempos de aquecimento global e de escassez de recursos da natureza nos espaços urbanos, seu exemplo e mensagem ensinam até os mais céticos. São Francisco de Assis é considerado o patrono da ecologia. Não por acaso, o atual Papa, o bispo Jorge Mario Bergoglio, assumiu o nome do Beato ao ser empossado na cadeira de Pedro. Ao fazer isso, apontava que o atual espírito do cristianismo, pelo menos o católico, é apontar para uma vida de menos ostentação, desapego ao luxo e sobretudo, respeito ao meio ambiente. 

Pois bem, quase 8 séculos depois de sua morte, o beato de Assis está envolto a uma celeuma no interior de Santa Catarina. A contenda não se dá conta da construção de uma igreja ou coisa que valha, mas porque em Blumenau, há uma previsão de uma construção de um condomínio de luxo ao lado do Parque que leva seu nome. Para o leitor de fora da aldeia, ou desconhecedor da área central, a cidade possui um parque ambiental com aproximadamente 23 hectares, a área de floresta atlântica que abriga além de uma nascente de água, uma diversidade de seres vivos. Ao lado do parque há agora a previsão de construção de três prédios, sendo dois residenciais com 20 andares cada e outro comercial com oito andares.

A obra divide especialistas e ecologistas sobre a viabilidade ou não do empreendimento. Os contrários apontam que a presença dos gigantes de concreto coloca em risco o parque ambiental, atingindo os animais e plantas que vivem ou passam pelo local. Sem dizer que a liberação do empreendimento no local, abre precedentes para outras obras do tipo.  Já os favoráveis, que o modelo de empreendimento apresentado para o local, é o único que pode salvar a existência do parque.

Não sou católico e nem especialista em urbanismo. Reservo-me ao direito apenas de perguntar se precisamos mesmo seguir continuar apostando para Blumenau e para o Sul do Brasil, para não falar em outros lugares, continuar apostando nestes modelos de cidades em que se empilham gentes uma em cima das outras, e transformam as cidades em uma floresta de prédios. 

Talvez, só talvez, seja a hora de relembrar o nome do parque. Seu significado, e sua lição de vida. Construir e levantar prédios de luxo, em tempos de catástrofes ambientais, talvez tenha virado meio brega, ou no mínimo demodê. Soa ostentação.  É o Papa e São Francisco de Assis que estão dizendo.

Dr. Josué de Souza, professor e cientista social

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