Da Agricultura Familiar a Empresários do Agro: Como o Sealba Muda a Vida dos Produtores

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O produtor baiano Sebastião Freire do Nascimento Júnior, 58 anos, é enfático. “No meu tempo, isso aqui não era nada”, diz ele, que nasceu em Ribeira do Pombal, município localizado a 330 quilômetros de Salvador, ao se referir ao polo agrícola mais recente do país, o Sealba, uma região que engloba 171 municípios espalhados pelos estados de Sergipe, Alagoas e Bahia.

Nascimento Jr. tem uma certa razão. O “tempo” dele é o de meados de 1980, e o Sealba era um conceito regional que ainda não existia. Mas nesse período, já crescia a olhos vistos o Matopiba (região que inclui 337 municípios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que ocupa 73 milhões de hectares. E fato é que inspirou a nova região, o Sealba. “A história do Sealba remonta um pouco à época do Matopiba. Foi um processo semelhante, mas mais recente”, diz Luis Abel Amorim, diretor de Negócios do Banco do Nordeste.

A região reconhecida e mapeada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em 2019 possui cerca de 5 milhões de hectares de áreas agricultáveis. Nascimento Jr. diz que acompanhou essa evolução e conta como a efervescência de ideias afetou sua percepção de que aquilo seria bom para os produtores.

Ele é de uma família na qual a agricultura era quase de subsistência e a lida na roça o impediu de estudar quando ainda era criança. Ele só conseguiu finalizar o ensino médio nos anos 1990, aos 25 anos de idade.

Nesse período, Nascimento Jr. se mudou para Paripiranga (BA), na fronteira de Sergipe, que já se destacava na produção de milho, para trabalhar como chefe de cartório. Mas ao ver no que se transformava o campo, decidiu que era hora de viver da agricultura. Arrendou 30 hectares de terras para plantar o cereal e começou sem o suporte de tecnologias, herbicidas ou recursos para investir em melhorias.

“Tudo aqui era atrasado”, diz ele. “Só três anos depois, em 2000, consegui comprar meu primeiro trator.” E claro, seus primeiros 30 hectares de terras em Pinhão, a 30 km da terra arrendada. Hoje, ele tem 2 mil hectares, sendo 1.200 hectares de milho, na fazenda Piabas, em Frei Paulo (SE), e os 800 restantes para criação de cerca de mil vacas, em Japoatã (SE).

Divulgação

Atualmente, a Granja Mulungu possui 340 mil galinhas

Por ano, produz cerca de 120 mil sacas de milho que são vendidas às granjas locais em um raio de 150 quilômetros. Mas, em 2023, ele embarcou 55 mil sacas do cereal para Moçambique, na África. As áreas de cerca de 2 mil hectares costumam ser tidas como médias propriedades, mas para uma região cuja agricultura familiar é pujante, o tamanho das terras de Nascimento Jr. é um ponto fora da curva.

De volta à terra natal, Ribeira do Pombal, em 2010, Nascimento Jr. e dois dos nove irmãos – José Alfredo e Inaide Freire –, fundaram a empresa familiar Granja Mulungu, que começou com 200 galinhas. Hoje são 340 mil e parte do milho que Freire cultiva em Pinhão é processado na granja para os animais.

Sua crença no Sealba e no potencial de crescimento de que a região pode se tornar muito rica é gigante. “Faço tudo isso para ajudar o Sealba crescer, para gerar emprego e para os vizinhos verem que é possível viver melhor, viver da atividade agropecuária”, diz ele. “Estamos a 90 quilômetros do litoral, temos clima bom para milho, trigo, e com mais tecnologias de irrigação chegando, é uma região com futuro próspero.”

O que Faz o Sealba Ser o Sealba

A proximidade dos portos de Maceió (AL) e Aracaju (SE), valorizada por Nascimento Jr., também atrai outros empreendedores. Mas, o que chamou atenção dos produtores e técnicos agrícolas foi o volume de precipitação pluvial superior a 450 milímetros no período de abril a setembro, suficiente para o cultivo de diversas culturas de grãos no Nordeste.

Características naturais, como o predomínio do solo argissolo vermelho-amarelo, que favorece o plantio de grãos, florestas e a pecuária é outro ponto forte. Sobre o último, vale destacar que as pastagens representam a atividade com a maior área ocupada no Sealba, com cerca de 1,5 milhão de hectares.

A época de plantio, que se difere das demais áreas agricultáveis do país, também é uma vantagem. A semeadura dos grãos se inicia no final de abril e segue até o início de junho, ao contrário do que ocorre no Centro-Sul e no Matopiba, cuja safra acontece na primavera ao verão.

Esses fatores têm contribuído para o crescimento expressivo da atividade agropecuária na região. Uma das formas de observar isso é por meio da contração de financiamentos dos produtores.

Divulgação – Banco do Nordeste

Luis Abel Amorim é diretor de Negócios do Banco do Nordeste

Dados do Banco do Nordeste apontam que entre 2018 e 2024, essas movimentações financeiras triplicaram em valor, saindo de R$ 480 milhões para R$ 1,4 bilhão em 2024. “Esse aumento demonstra o avanço do agronegócio no Sealba”, diz Amorim. Segundo o executivo, ainda para este ano, oportunidades de crescimento da região não deverão faltar.

O Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), criado pelo governo para promover o desenvolvimento econômico e social da região, e o principal recurso do Banco, teve um aumento de orçamento relevante de 2024 para 2025. “Esse valor aumentou em 18%. O orçamento inicial para o ano de 2024 era de R$ 40 bilhões de reais. Em 2025, já começamos com R$ 47,9 bilhões”, afirma Amorim.

A pioneira Sergipe

Ainda que Sergipe seja constantemente lembrado pela beleza do seu litoral, foi o estado que deu o pontapé inicial para criação do Sealba. Segundo levantamento da Embrapa, dos 75 municípios do estado, 69 fazem parte da região.

“Sergipe foi o primeiro que procurou desenvolver de forma mais intensa a cultura do milho, apesar do tamanho do estado”, diz Amorim. Em 2024, o pioneiro agreste sergipano apresentou a maior produtividade nacional de grãos, feito puxado pela safra recorde de milho de 1 milhão de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Depois do milho, o feijão é a segunda cultura de grãos mais cultivada do Sealba, atrás apenas de Adustina, na Bahia. O município de Poço Verde é o segundo maior produtor do grão. Também o suco de laranja é um dos principais produtos agrícolas de exportação do Sealba, e Sergipe tem “dedo” nisso. Os municípios do sul do estado se destacam na citricultura. Em 2023, o estado se consolidou como o quinto maior produtor de laranja do Brasil.

Bahia De Todos os Santos e do Agro

Dos 417 municípios da Bahia, 28 estão no Sealba. Inhambupe é uma dessas cidades, a 153 quilômetros de Salvador, que se destaca pela produção de citros e grãos. Dessa última cultura, Verônica Oliveira de Santana, de 46 anos, entende.

Junto ao marido, Tiago Lima – que começou plantando milho e abóbora no quintal de casa –, ela tem duas terras arrendadas em Inhambupe, a fazenda Monte Verde, de 800 hectares onde produz milho; e outros 80 hectares, a Fazenda Flores, para cultivo de laranja, mamão e abóbora. Tudo que produzem é destinado a granjas e consumidores locais.

De olho na produtividade, na safra 2023/24, a fazenda Monte Verde produziu 50 mil sacas de milho. “Esse ano pretendemos diminuir a área e aumentar a produção, ou manter as 50 mil, com investimento em tecnologia”, diz ela. Em fevereiro, na Sealba Show, feira que aconteceu em Sergipe, Verônica firmou um contrato com o Banco do Nordeste para compra de máquinas. “Consegui crédito para comprar um drone e uma plantadeira nova que vão ajudar muito na produção”.

Divulgação – Verônica Oliveira

Verônica produz milho, mamão e abóbora em uma propriedade de 80 hectares

Alagoas da Cana-de-Açúcar

Na ponta do Sealba, ainda tem Alagoas, que possui 102 municípios, dentre os quais 78 fazem parte da região delimitada. Por lá, especificamente Coruripe, o maior destaque vai para a cana-de-açúcar, uma tradição. O estado registrou os primeiros engenhos ainda no século 16.

Hoje, a cultura ocupa a maior área plantada no Sealba, cerca de 350 mil hectares. Para a safra 2024/25, a expectativa é de 20 milhões de toneladas de cana moídas, segundo a Associação dos Plantadores de Cana de Alagoas.

Além da cana, a região chama atenção para a expansão da cultura do citros. “Por causa da fronteira com Sergipe, o estado passou a enxergar também o cultivo de grãos e da fruticultura, principalmente dos citros”, diz Amorim. Em 2022, o estado respondeu por 12,2% da área plantada de laranja e 10,6% da produção, segundo dados do Banco do Nordeste. Na contramão dos demais produtores da fruta, o estado cultiva predominantemente laranja lima.

Nos últimos 5 anos, Alagoas cresceu cerca de 50% nas contrações de créditos rurais, enquanto Sergipe saiu de R$ 180 milhões para R$ 654, e Bahia de R$ 49 para R$ 227. Segundo Amorim, o aumento dos financiamentos indica o avanço do agronegócio na região. “Esse movimento mostra que o Sealba de Sergipe, Alagoas e Bahia está despontando como uma nova e importante fronteira agrícola do Brasil”.

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