Nem só com cartazes se faz uma manifestação no Congresso. Por Deniza Gurgel

Deniza Gurgel escreve artigo sobre como parlamentares dos EUA usam roupas como forma de protesto e questiona se, no Brasil, essa estratégia pode substituir os cartazes proibidos no Congresso.

Entenda como as roupas posicionam e comunicam.

Nesta terça-feira (4), parlamentares do partido democrata, nos Estados Unidos, usaram mais uma vez as roupas para protestarem contra Donald Trump. Desde o primeiro mandato do presidente norte-americano elas têm usado branco quando ele faz um discurso no parlamento. Este ano, porém, usaram rosa. A cor é símbolo da terceira onda do feminismo e coloriu os atos de repúdio à frase “Grab’em by the pussy”, dita por Trump e divulgada pelo The Washington Post um mês antes da eleição de 2016.

Em tempos de proibição de cartazes na Câmara dos Deputados do Brasil, a manifestação norte-americana nos leva a refletir sobre como nossos deputados e deputadas estão usando a própria imagem para gerar “buzz”.

Com a decisão de Hugo Motta (Republicanos-PB), o vestir poderá ser a grande jogada daqueles que desejam seguir “causando”. Afinal, como disse Umberto Eco, a função de cobrir o corpo é apenas 50% do papel da roupa. Todo o resto serve para comunicar.

Não estou falando de usar bonés, nem perucas ou uniformes de doméstica. Seria falta de decoro. O uso do traje passeio completo está previsto no artigo 272 do Regimento Interno da CD e no Ato 63/1980. Manuais especificam que o traje masculino é composto por paletó, calça, camisa, gravata e sapatos de couro. Já o feminino fica em um limbo que determina “bom senso e critério”, conforme o Caderno de Cerimonial, Protocolo e Etiqueta. 

Essa indefinição talvez seja a primeira grande vantagem de ser mulher na política, porque as deputadas ficam mais livres para usar o vestuário para se comunicar. O que não significa que os homens não possam fazer o mesmo.  

O parlamento dos EUA é cheio de exemplos de como uma boa estratégia de imagem pode pautar o debate público. Após a morte de George Floyd, em 2020, os democratas apresentaram proposta de reforma dos procedimentos policiais usando faixas Kente, típicas de Gana. Basta um google para ver o tamanho da repercussão.

Joe Biden também não passou ileso. Durante discurso do “Union State” em 2024, as republicanas usaram blazers vermelhos e broches escrito “Parem a crise de fronteira de Biden”.

Cada um desses casos só foi possível porque houve uma ação organizada. Se parlamentares do Brasil passarem a usar os símbolos das pautas que levantam de forma estratégica, serão capazes de seguir pautando a imprensa tradicional e o debate nas redes sociais. Agora resta saber se os nobres deputados e deputadas conseguem abrir mão de serem o centro da atenção para planejarem uma ação coordenada.


Deniza Gurgel é consultora, pesquisadora de Comunicação Política do Grupo Informação Pública e Eleições/UnB e palestrante.

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