Opinião | Governantes brancos e o ciclo do racismo: falas preconceituosas seguidas de desculpas vazias

Nessa quarta-feira, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), fez uma declaração controversa ao afirmar que a cidade de Pomerode se destaca “pela cor da pele das pessoas”. Pomerode é conhecida por sua população majoritariamente branca, com cerca de 80,3% dos habitantes se identificando como brancos, segundo o Censo de 2022. A fala gerou críticas e acusações de racismo, levando o vereador de Florianópolis, Leonel Camasão (PSOL), a considerar uma representação criminal contra o governador.

Situações como essa revelam um padrão recorrente entre governantes brasileiros, em sua esmagadora maioria brancos, que frequentemente fazem declarações de cunho racista ou carregadas de preconceito e, diante da repercussão negativa, tentam se esquivar da responsabilidade. A justificativa é quase sempre a mesma: dizem que foram mal interpretados ou que suas falas foram tiradas de contexto. Esse comportamento não é novo e tampouco exclusivo de um lado político.

Outro exemplo recente é o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, em fevereiro de 2024, durante um evento em São Bernardo do Campo, dirigiu-se a uma jovem negra premiada afirmando: “Porque uma afrodescendente assim gosta de um batuque de um tambor”. A declaração, amplamente criticada por reforçar estereótipos raciais, mostrou que até mesmo líderes com históricos de diálogo com movimentos sociais podem reproduzir discursos racistas.

Esses episódios vão além de meros “deslizes”. Eles escancaram o quanto o racismo estrutural está enraizado na sociedade brasileira, inclusive naqueles que ocupam os mais altos cargos de poder. Quando um governador ou presidente perpetua discursos que reforçam estereótipos ou que exaltam a branquitude como padrão de excelência, não estamos diante de uma simples má escolha de palavras, mas de uma postura que ignora a responsabilidade de liderar uma nação diversa e profundamente marcada pela desigualdade racial.

É inadmissível que, em pleno século XXI, governantes sigam utilizando justificativas frágeis para se eximir de críticas. A falta de uma postura firme de autocorreção e o uso sistemático de desculpas como “fui mal interpretado” demonstram uma ausência de comprometimento real com a luta antirracista. Essas falas não apenas ofendem, mas também reforçam as barreiras que impedem o avanço da igualdade racial no Brasil.

Chegou o momento de exigir mais de nossos líderes. Não basta apenas reconhecer o erro quando confrontados. É necessário um compromisso genuíno com a desconstrução de preconceitos e a promoção de políticas públicas que combatam o racismo em todas as suas formas. Palavras têm peso, especialmente quando ditas por aqueles que ocupam cargos de poder. E a sociedade brasileira não pode mais aceitar que declarações racistas sejam normalizadas ou justificadas como “mal-entendidos”.

Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos

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