“A Comunicação por Algoritmo Tornou-se Insustentável”, Diz Diretor-geral dos Estúdios Globo

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

Há um mês, no final de 2024, a Globo inaugurou, no Rio de Janeiro, um estúdio que combina inteligência artificial, vários recursos virtuais e uma junção de tecnologias imersivas. O evento de lançamento marcou o início das comemorações de 100 anos do Grupo Globo e 60 anos da TV Globo.

Nos últimos anos, a emissora ampliou investimentos em tecnologia, sobretudo com o objetivo de transformar seus Estúdios Globo, antigo Projac, em um centro de distribuição de conteúdo para os canais do grupo e também para o mercado. De acordo com Amauri Soares, Diretor-geral dos Estúdios Globo, todo o investimento em tecnologia amplia a capacidade e a qualidade do audiovisual brasileiro.

Amauri conversou com Forbes Brasil em sua sala, no mesmo complexo onde estão os estúdios, no segundo semestre de 2024, destacou também a evolução da emissora nesses últimos anos, pontuou a concorrência com as Big Techs. Na semana passada, assim que Mark Zuckerberg, CEO da Meta,  anunciou o fim do serviço de checagens da plataforma, Amauri complementou sua entrevista respondendo especificamente sobre o assunto.

“Isso chegou a um estágio insustentável. E a manifestação recente da Meta é a prova disso. Mas acho que já vemos hoje uma reação das marcas a isso tudo e uma valorização do que eu chamei de comunicação de massa da TV aberta”, pontuou, reforçando que a comunicação baseada em algoritmo já é um grande desafio para a sociedade. Consultada, a Meta ressaltou que tudo relacionado ao assunto já foi dito de forma oficial e que o fim do serviço de checagens não afeta ao Brasil.

Forbes Brasil – O ano de 2025 marca o sexagenário da TV Globo, em um contexto de muitas transformações, de concorrência, negócios e tecnologia, como descrever esse momento e o impacto dessas mudanças?
Amauri Soares – Quando você olha a história da Globo, é impressionante como ela foi capaz de se adaptar aos momentos e às mudanças e preservar um papel de liderança por tanto tempo. O que vemos agora, no entanto, é uma mudança completa no paradigma de competição. Estivemos nesse mercado durante décadas, nossos concorrentes eram os outros grupos de mídia do Brasil, mas isso agora mudou. Não é possível ter contratos de exclusividade porque o mercado ficou mais volátil, a disputa é maior e mais acirrada. E os competidores possuem tamanhos diferenciados. O que fizemos foi nos adaptarmos a esse contexto, não só nos contratos, mas também na produção.

FB – Nos últimos anos, houve um processo muito claro de reengenharia de processos, otimização de custos e recursos, renegociação e mudança na forma de negociação de contratos, isso deriva desse mesmo movimento de adaptação?
Amauri – Para lidar com esse cenário, a Globo teve uma estratégia em todos esses anos, conseguiu atrair talentos, oferecer contratos de exclusividade e preservar um índice altíssimo de talentos. O que deu um diferencial estratégico enorme. Isso só foi possível em um contexto de mercado que existia naquele momento. Em determinado momento, isso mudou. A tecnologia trouxe novos competidores para o audiovisual e a gente foi vendo todo mundo virando audiovisual. A plataforma que foi criada para ser de troca de mensagens, começava a ser uma plataforma de vídeo. Outra, que surgiu para fotos, virou rede de vídeos. Naturalmente, todos acabaram disputando espaço para a publicidade e gradualmente o mercado mudou. Os competidores passaram a ser, além dos grupos de mídia tradicionais, as plataformas de tecnologia que migraram para o audiovisual.

Divulgação TV Globo

Estúdio Virtual da Globo que conecta tecnologias imersivas e inteligência artificial

FB – O termo “mediatech” ficou, recentemente, muito associado ao discurso institucional da Globo, na prática, o que significou essa transformação em uma empresa de tecnologia?
Amauri – Houve um certo mal entendido, ou talvez interpretações equivocadas em relação a expressão “mediatech” e toda a jornada de tecnologia da Globo. Esse termo se refere a um processo de transformação baseado em tecnologia que a empresa precisou passar. Jamais tivemos a intenção de mudar o core da empresa. Ou deixamos de ser uma empresa de mídia para nos tornarmos uma companhia de tecnologia. Precisamos sim, de novas ferramentas, novas disciplinas, capacitações, na área comercial, em distribuição. E esse era um conceito interno que colocava foco nas prioridades e na na nossa narrativa para todas as mudanças que precisavam acontecer. E foi o que ocorreu. A gente faz publicidade segmentada, insere publicidade no streaming, lida com muitos dados, temos um estúdio de produção altamente tecnológico e muita análise. Essas disciplinas chegaram, mais recentemente, para que possamos dar conta e incorporar novas jornadas de consumo.

FB – Você se refere ao YouTube, Meta e outras Big Techs, ou seja, como elas acirraram essa mudança no audiovisual brasileiro?
Amauri – A competição tem um lado muito positivo, pois ela exige de você que opere em sua melhor versão. E a Globo soube fazer isso. Quando as grandes plataformas de tecnologia chegaram para competir conosco, elas também exigiram de nós uma transição tecnológica intensa. Exigiram o embarque de novas tecnologias e por isso a distribuição mudou, streaming, publicidade.

“Como eu dizia, aqui há responsabilidade. Aqui há transparência. Em oposição a outros serviços de comunicação que não precisam prestar contas de nada. Isso chegou a um estágio insustentável. E a manifestação recente da Meta é a prova disso”

FB – Isso ampliou a necessidade de vocês terem inteligência, como isso chega aos Estúdios Globo, um ambiente majoritariamente criativo?
Amauri – Eu, como diretor da TV Globo representou o maior cliente dos Estúdios Globo, a TV consome 85% das capacidades de produção dos estúdios, os outros 15% são do Globoplay e dos canais fechados, em especial GNT e Multishow. O que eu fiz foi aproximar as coisas. A contribuição que posso dar é trazer mais pra perto dos estúdios o que eu chamo de clientes internos, TV Globo, Globoplay, Multishow, GNT. Quando existe essa conexão é muito enriquecedor, porque você passa a ter uma escuta ativa. Mudei processos, tenho, hoje, meus colegas dos canais vindo com bastante frequência aos estúdios, participando de reuniões de liderança criativa e indicando o que está indo bem ou não. Eu digo que hoje, qualquer executivo dos estúdios tem profundo conhecimento de necessidades de nossos clientes e muita informação para nortear seu trabalho.

FB – Qual o ponto de equilíbrio entre criatividade e dados e como lidar com esse tema dentro de um processo de transformação?
Amauri – Sou jornalista de formação e obsessivo por dados. Dedico muito do meu tempo à pesquisa. E temos essa cultura hoje, inclusive processos, para que todos tenham acesso a todos dados que precisam para seu trabalho. E está funcionando muito bem. O diálogo fica muito mais enriquecido e derruba o mito de que o criador precisa estar alheio a todas as informações externas para fazer seu trabalho porque a criação é livre. Pelo contrário, todo criador, hoje, nos estúdios Globo, quer entender como sua obra está repercutindo. É muito melhor fazer redação com tema, do que redação tema livre. Estamos aumentando o pipeline de conteúdo, ofertas e isso enriquece o processo todo. Por exemplo, só no ano passado levamos mais de 40 projetos de humor para a TV Globo e mais de 30 em produção. A área de humor trabalha muito perto dos canais e está ouvindo, consumo, necessidades e demanda, esse é um bom exemplo dessa integração. Isso faz com que a gente possa reagir de forma muito rápida.

Leia também

  • Forbes Games

    Para Startup de eSports do Grupo Globo, Ano da Indústria Foi Positivo, Apesar de Ajustes

  • LinkedIn
    Forbes Money

    Globo Compra Controle da Eletromidia e Ações Saltam Mais de 40%

  • Foto: Divulgação
    BrandVoice

    O Futuro da Televisão Já Começou

FB – Você está reforçando a importância dos dados, e essa é uma premissa das Big Techs, estou falando de Google, Meta, no que os dados da Globo e a forma como eles são coletados e gerenciados se diferenciam das empresas de tecnologia?
Amauri – Não é apenas uma diferenciação direta. Vou te exemplificar dividindo a conversa em dois grupos: O primeiro e o da mídia, a comunicação de massa, essa que produzimos. Eu me relaciono com várias camadas de direito autoral, propriedade intelectual, remunerada toda uma cadeia de criadores. Eu me submeto a várias camadas de regulação, me submeto ao escrutínio de várias camadas do poder público, executivo, judiciário, agências e outros. Eu lido com categorias profissionais que são regulamentadas e eu tenho uma série de legislações trabalhistas para cumprir, e a gente cumpre. E eu tenho um pacto com a sociedade muito transparente: nós somos responsáveis pelo que produzimos, respondemos pelo que produzimos, temos conexão e compromisso com o mercado publicitário. Ou seja, estamos nesse grupo que presta muitas contas à sociedade em diversas camadas. No segundo grupo temos: a exploração de conteúdo sem pagamento de direito autoral, o não reconhecimento de propriedades intelectuais. A gente vê a exibição maciça de propaganda enganosa, fake news, disseminação de mentiras, campanhas difamatórias, nenhum tipo de prestação de conta e nenhum tipo de prestação de conta de métrica auditada. Ou seja, ficou muito distante essa comparação.

“Quando as grandes plataformas de tecnologia chegaram para competir conosco, elas também exigiram de nós uma transição tecnológica intensa”

FB – Você me garante que no seu ecossistema você está blindado de desinformação, fake news e tudo que você me exemplificou?
Amauri – Sim, somos responsáveis pelo que fazemos e respondemos sobre toda informação e conteúdo que distribuímos. Em 2011, o Grupo Globo tornou públicos os seus Princípios Editoriais, que trazem a correção como um dos principais atributos da informação de qualidade. Você vê lá que “correção é aquilo que dá credibilidade ao trabalho jornalístico” e lá também lembramos que “não há fórmula, e nem jamais haverá, que torne o jornalismo imune a erros” mas nos obrigamos a corrigi-los, quando eles acontecem, de maneira transparente, sem subterfúgios. E assim fazemos. Está no ar, todo mundo vê, acompanha e tem condições de cobrar.

FB – Como você avalia o impacto do fim das checagens humanas nas plataformas da Meta e quais os impactos na sociedade e na relação que a empresa possui com o mercado publicitário?
Amauri – Como eu dizia, aqui há responsabilidade. Aqui há transparência. Em oposição a outros serviços de comunicação que não precisam prestar contas de nada. Isso chegou a um estágio insustentável. E a manifestação recente da Meta é a prova disso. Mas acho que já vemos hoje uma reação das marcas a isso tudo e uma valorização do que eu chamei de comunicação de massa da TV aberta. Hoje, já vemos as marcas desconfiarem dessa comunicação exclusivamente do algoritmo, que não passa por curadoria ou controle de qualidade humana – e que cada vez passará menos, como vimos – , que não presta contas do que é, que não leva o usuário a consumir informações sobre assuntos para além daqueles que demonstrou interesse, que só dá a ele mais do que ele já consome, que não surpreende, não amplia o repertório, que não está aberta a debates e ideias. Já existe o entendimento de que essa comunicação não é boa para a sociedade e que pode ser cada vez mais nociva. Essa comunicação está afastando as pessoas, distribuindo relações, comprometendo o tecido social e a democracia, por que ela é um inibidor da convivência saudável de pessoas diversas e que pensam diferente. E não há dúvidas de que esses ambientes serão cada vez menos brand safety.

“Essa comunicação (via algoritmo) está afastando as pessoas, distribuindo relações, comprometendo o tecido social e a democracia, por que ela é um inibidor da convivência saudável de pessoas diversas e que pensam diferente. E não há dúvidas de que esses ambientes serão cada vez menos brand safety.”

FB – Qual o desafio a partir de agora considerando a maturidade da IA ​​generativa e a massificação de diversas outras tecnologias nos próximos anos?
Amauri – De maneira nenhuma estou olhando a tecnologia por um olhar negativo. Pelo contrário, somos heavy user de inteligência artificial. Incorporamos o uso de algoritmo na programação de filmes, principalmente na gestão de acervo e pensando na programação das afiliadas. Já usamos IA há muito tempo e já nos ajuda muito em pós-produção, temos usos muito importantes em edição, mixagem de som e colorização. Uso de IA em iluminação, temperatura de luz e teremos vários outros. Temos um grupo da empresa que trabalha nesse tema, dos Estúdios Globo e estamos discutindo todas as aplicações. Mas reforço, é uma ferramenta que precisa estar a serviço de nós como sociedade, e não o contrário. Precisamos, como sociedade, fazer com IA um trabalho melhor do que fizemos com algoritmos e redes sociais. E tomar as medidas que temos que tomar, de proteção de direitos, direito intelectual, regulação, para que a gente não viva com a IA o que vivemos hoje: como sociedade, ficamos a serviço de monetizar uma plataforma.

Escolhas do editor

  • bitcoin
    Escolhas do editor

    De US$ 108 Mil para US$ 90 Mil: o Que Está por trás da Queda do Bitcoin?

  • Divulgação
    Escolhas do editor

    Esmeralda Será Leiloada com Lance Inicial de R$ 100 Milhões

  • Homem participando de um curso online
    Escolhas do editor

    AWS Disponibiliza Cursos Gratuitos para Aprender sobre IA e Nuvem em 2025

O post “A Comunicação por Algoritmo Tornou-se Insustentável”, Diz Diretor-geral dos Estúdios Globo apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.