IA e Eleições: Expectativa X realidade. Karine Borges de Liz

Karine Borges de Liz escreve artigo sobre o uso da Inteligência Artificial nas eleições de 2024 trouxe desafios éticos e jurídicos, destacando o impacto das deep fakes e a necessidade de regulamentação robusta. Apesar do potencial disruptivo, questões tradicionais, como financiamento de campanhas, ainda prevalecem globalmente.

No segundo semestre de 2023 tiveram início as projeções do uso da Inteligência Artificial (IA) para as eleições que estavam para ocorrer em 2024 nas mais diversas partes do mundo.

As previsões, de modo geral, eram pessimistas e até sombrias por parte de várias organizações internacionais especializadas, como o Instituto IPSOS, sediado na França.

E não era pra menos.

Para 2024 estava previsto ocorrer o maior número de eleições em toda a história da humanidade – por volta de 2 bilhões de eleitores iriam às urnas, em aproximadamente 50 países.

Some-se a isso o fato de estarmos num contexto histórico no qual a democracia é severamente questionada, aliado ao surgimento de novas ferramentas tecnológicas que desafiam as noções fundamentais de lógica e credibilidade humanas.

Todavia, o que realmente ocorreu foi em menor escala do que se tinha em perspectiva – o que não significa que esteja tudo bem e que tenha havido apenas um erro de cálculo ou exagero.

Nas eleições Argentinas de 2023, por exemplo, a IA foi usada como mais um instrumento “criativo” para descredibilização mútua dos dois principais candidatos. Ou seja, novo meio para antigas práticas nas disputas políticas.

Situação diferente ocorreu na Indonésia. Nesse país, o candidato eleito em fevereiro de 2024, fez uso intensivo de IA para construir uma imagem que ficou conhecida como o “avô inofensivo” e “fofinho”, desconstruindo um histórico execrável que inclui acusações de cometimento de crimes de guerra e intolerância.

Nesse caso, a IA foi usada de forma maquiavelicamente inteligente, quebrando resistências por meio do arrebatamento emocional dos eleitores.

Mas provavelmente o maior temor, e com razão, estava no uso indevido das Deep Fakes, pelo seu grande potencial criativo.

Todavia, ao final verificou-se que seu uso foi pontual e inserido em campanhas de desinformação, que por sua vez continuariam a existir com ou sem o uso de IA.

Na verdade, o que mais acabou pesando nas campanhas eleitorais no mundo todo, de modo geral, foi o uso de recursos financeiros – algo tão antigo quanto eficiente, infelizmente, ainda.

Para as eleições brasileiras deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) instituiu um regramento inédito sobre o uso de tecnologias, especialmente a IA, nos pleitos municipais.

Uma análise interessante sobre os resultados práticos dessa normatização está no relatório intitulado “Construindo Consensos: Deep Fakes nas Eleições de 2024”, produzido pelo IDP – Instituto de Direito Público, disponível no seguinte endereço: https://www.idp.edu.br/arquivos/cedis/IDP%20-%20LIA%2C%20CEDIS%20e%20ETHICS4AI%20-%20Nota%20T%C3%A9cnica%20-%20Construindo%20Consensos%20-%20Deep%20Fakes%20nas%20Elei%C3%A7%C3%B5es%20de%202024.pdf).

Esse documento técnico baseia suas conclusões a partir de análises das decisões judiciais proferidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais de todo Brasil.

Em suma, segundo o referido Relatório: (1) as deep fakes possuem sim um grande potencial para impactar a legitimidade e a autenticidade do processo eleitoral brasileiro; (2) há diversidade de entendimentos, entre os TREs, sobre o que constitui uma deep fake, com variedade na interpretação de sua verossimilhança e propósito – o que acarreta sérios problemas; (3) essas diferentes interpretações indicam a necessidade de diretrizes robustas e criteriosas para que se tenha maior segurança jurídica e coesão na aplicação das regras eleitorais.

Um último ponto que merece registro nessa análise do quadro tecnológico eleitoral de 2024, é a utilização de deep nudes (deep fakes com teor sexual) como meio de violência contra candidatas seja no Brasil ou no mundo.

O número de ataques dessa espécie direcionados a mulheres foi relevante e demonstra que a respeitabilidade e a ética são temáticas que precisam serem trabalhadas cotidianamente na prática, e não apenas na retórica de discursos de ocasião.

O que está por vir nos próximos anos e pleitos ainda é uma incógnita que para ser resolvida necessita de prudência, bom senso e estudos sérios sobre os impactos que a IA traz aos humanos e em suas mais diversas interações sociais.

A IA, como qualquer criação humana, é ambivalente – ou seja, muito bem pode advir dela, assim como muitos males e dor.

Sejamos sensatos e realistas, mais do que crédulos otimistas.


Karine Borges de Liz é especialista em Direito Eleitoral (PUC-Minas), membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP.

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