Com Seca na B3, Mercado de Crédito Prospera. Mas por Quanto Tempo?

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Já se passaram três anos desde que uma empresa brasileira tocou a protocolar campainha da B3 para indicar uma nova estreia na bolsa de valores. A ressaca do mercado é forte, principalmente depois da bonança que foram os anos de 2020 e 2021. Ao todo, o período foi marcado por 71 toques de campainha e novas listagens. 

Um processo de oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) costumava ser, para muitas empresas, a cereja do bolo do sucesso — o significado de ter a aprovação do mercado financeiro e uma forma rápida de acessar capital para financiar projetos de longo prazo. 

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Com o juro brasileiro saindo de sua mínima histórica, a liquidez da bolsa secou e a demanda tornou-se apenas uma fração do que havia sido nos anos anteriores. As companhias, no entanto, seguiram precisando captar recursos de alguma forma, mas passaram a enxergar a B3 cada vez menos como uma linha de chegada indispensável para o seu crescimento. O mercado de crédito privado — com a emissão de dívidas, debêntures e bonds (no exterior) passou a brilhar aos olhos de muitos.

Teera Konakan / Getty Images

Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), até o fim de outubro, este ano foi responsável pela captação de R$ 565,5 bilhões por meio de instrumentos financeiros do mercado de crédito. Uma alta de 99,4% se comparado ao mesmo período do ano passado. Isso sem falar na emissão de bonds (títulos de dívida emitidos no exterior). Foram US$ 19,4 bilhões captados, um crescimento de 50% com relação ao mesmo período do ano anterior. 

Em outubro, a emissão de debêntures atingiu o seu patamar recorde, com a captação de R$ 67,7 bilhões. Enquanto isso, as ofertas primárias e secundárias na bolsa não ultrapassam a casa dos R$ 25 bilhões no ano — desse montante, quase R$ 15 bilhões vieram da oferta de privatização da Sabesp. 

O cenário macroeconômico mais desafiador é parte da resposta para o aquecimento do mercado de crédito, mas especialistas ouvidos pela Forbes apontam que, na verdade, o segmento pode estar passando por um estágio de maturação. Mas a demanda voraz por esses ativos é sustentável? 

Para Ceres Lisboa, analista sênior de crédito da Moody’s, uma das agências de análise de riscos de crédito mais importantes do mundo, a tendência do crescimento do mercado local deve ser mantida no médio prazo devido ao baixo crescimento econômico e taxas de juros mais elevadas em todo o mundo. 

Guilherme Maranhão, presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais da ANBIMA, regulação e cenário macro podem ter criado uma “tempestade perfeita” para o boom do mercado de crédito, mas isso não significa que o crescimento não seja sustentável. 

“Quando olhamos para todo o histórico, podemos dizer que é sustentável. A gente vê uma melhora muito grande nos rendimentos, performance e novas captações. Uma hora o crescimento e acomodação bate no piso, mas ainda assim a dinâmica contínua sustentável, sem nenhum sinal de alerta quando analisamos número de emissões, número de captações, liquidez no mercado secundário, spreads a tudo mais”, explica. 

Para além do macro

O cenário pouco propício para o mercado de ações colaborou para alimentar a demanda e impulsionar as empresas a buscarem instrumentos de renda fixa, mas Maranhão, da Anbima, aponta que houve avanços regulatórios importantes que deram maior solidez para o mercado de crédito e impulsionaram o aumento da demanda e fizeram alterações estruturais. 

Dentre as principais mudanças dos últimos anos, ele cita a Resolução 160, que estabeleceu diretrizes para o mercado de crédito privado, aumentando a transparência e facilitando as emissões, e entrou em vigor em 2023.

A tributação de fundos exclusivos, válida desde o ínicio do ano também trouxe uma demanda maior para os instrumentos de renda fixa, já que, para os super-ricos, deixar dinheiro parado deixou de ser conveniente e foi preciso buscar novos ativos isentos de imposto de renda (como CRIs, CRAs, e letras de crédito imobiliário ou agrícola). 

A redução do tempo de resgate para muitos dos fundos de renda fixa também serviu para atrair mais pessoas físicas para esse tipo de investimento. 

Mudança de paradigma?

O efeito dominó dita as regras. Com a demanda em alta, mais e mais empresas se veem propensas a acessar o mercado de crédito. Mas ao contrário da “farra” dos IPOs da última safra — que machucou muitos investidores e afastou muita gente do mercado de ações —, empresas sem histórico comprovado e maturidade suficiente para honrar suas dívidas dificilmente alcançam a demanda necessária para os seus projetos. 

A impressão que fica é que muitas empresas — até mesmo aquelas não-listadas na bolsa — andam preferindo usar instrumentos de dívida ao invés de abrir capital ou realizar novas ofertas na bolsa. 

Esse pode ser um sinal de que hoje as companhias veem o mercado de crédito cada vez mais como opção? Para Maranhão, da ANBIMA, essa já é uma realidade em curso. 

As razões para isso são diversas e parecem levar a uma maturação cada vez maior do mercado — incluindo para pequenas e médias empresas. Guilherme D’Aurea, head de Renda Fixa e Crédito Privado da Santander Asset Management, aponta que o mercado de crédito hoje é mais robusto e muito diferente daquele de 10 anos atrás, mas ainda não alcançou o mesmo grau de maturidade do que os de economias mais desenvolvidas. 

“A impressão que a gente tem aqui é que esse mercado, com esse tamanho atual, veio para ficar. Mas acho importante deixar claro que ele é cíclico. Existirão momentos de baixa”, pontua. 

Para Antonio Kritsinelis, da Octante, gestora especializada em crédito privado, o acesso a instrumentos de dívida é favorável para empresas maduras que têm certa resistência em abrir o capital e diluir a participação acionária ou o legado familiar com o mercado — ou para aquelas que ainda não se sentem prontas o suficiente para a B3. 

Por mais que existam contas a serem prestadas aos credores, o mercado de crédito possibilita que uma empresa fechada tenha acesso ao mesmo capital, mas sem o “incômodo” do acionista minoritário — ou o risco de acabar sendo vítima de uma aquisição hostil.

Para aquelas já na bolsa, Kritsinelis aponta que a opção é mais barata para captação de recursos, uma vez que as comissões e taxas de estruturação de ofertas de ações são muito maiores — e, com a demanda fraca, é possível que o captado nem cubra os gastos. 

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