PL gera reflexão sobre efeitos da pornografia, sobretudo em crianças

Doutor em teologia moral e especialista em políticas públicas para a família defendem proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais – objetivo do Projeto de Lei 2628/2022, em tramitação no Senado

Julia Beck
Da redação

Foto: charlesdeluvio na Unsplash

A proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais é o cerne do Projeto de Lei (PL) 2628/2022 que está em tramitação no Senado e tem previsão de passar, em breve, pela Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD).

“Embora o Brasil tenha um arcabouço jurídico relevante de proteção a crianças e adolescentes, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e de legislação relativa ao cometimento de crimes digitais, ainda não há lei sobre a segurança no uso do ambiente digital que respeite a autonomia e desenvolvimento progressivo do indivíduo sem prejuízo da inovação tecnológica”, frisa o autor do PL, o senador Alessandro Vieira (MDB).

De acordo com Vieira, um em cada três usuários de internet são crianças e adolescentes, com idade média de primeiro acesso aos 6 anos no Brasil. “O projeto foi pensado a partir das melhores práticas internacionais, de acordo com a realidade brasileira e em discussão com importantes entidades defensoras de crianças e adolescentes e dos direitos digitais”.

O objetivo do PL é que, se tratando do uso em potencial por crianças e adolescentes, os aparelhos com acesso à internet sejam configurados no padrão mais protetivo de fábrica possível. E depois cada família deve decidir como flexibilizar o uso.

Apoio da Family Talks

O PL é apoiado pela Family Talks – organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, apartidária e aconfessional, que busca promover projetos para o fortalecimento dos vínculos familiares, através da defesa de direitos e da ação direta com as famílias.

Diretor executivo e cofundador da Family Talks, Rodolfo Canônico /Foto: Divulgação – site Family Talks

O diretor executivo e cofundador da Family Talks, Rodolfo Canônico (especialista em políticas públicas para a família pela Universidade Internacional da Catalunha), assinala que o PL tem como interesse a proteção ampla das crianças na internet e a organização está focada na luta pela restrição do acesso, sobretudo a conteúdos pornográficos.

Inclusive, Rodolfo afirma que o grupo recomendou a inclusão do termo “conteúdo pornográfico” para enfatizar a causa. “O relator do projeto, no seu substitutivo, que caso seja aprovado é o texto que valeria, no novo artigo 9, menciona explicitamente o conteúdo pornográfico. Ele cria restrições ao acesso a conteúdo pornográfico”, reitera. De acordo com o cofundador da Family Talks, é um passo importante e necessário, pois a partir da intervenção, o projeto passa a ganhar melhores contornos.

O senador reitera que a ideia é garantir que esse tipo de conteúdo não seja exposto às crianças e adolescentes por padrão. “O último relatório também inclui a verificação de idade em sites destinados a esse tipo de conteúdo”, corrobora.

São muitos os conteúdos impróprios na internet, entretanto, Rodolfo defende que a “caça” pela restrição específica da pornografia se dá por este conteúdo ser o mais acessado na internet. Tem ampla popularidade e “facilidade de acesso”. “É muito preocupante”, opina.

Conscientizar sobre os efeitos do conteúdo pornográfico

O doutor em teologia moral e professor na Faculdade Dehoniana, padre Mário Marcelo Coelho, constata que o mundo virtual e o real não são distintos, mas sim um único mundo. “Muitos estudiosos acreditam que a dependência sexual existia antes mesmo da internet. A partir daí eles acreditam na hipótese de que a internet é apenas um espelho que reflete o que já está presente na vida da pessoa. Então, a internet facilita, possibilita e instiga”, frisa.

“Casamentos podem ser prejudicados quando os cônjuges passam a acessar conteúdo pornográfico. Ele afeta a libido, diminui o desejo pelo cônjuge. Isso está associado a piora da qualidade da relação conjugal. Então, imagina isso numa criança… os danos são ainda maiores” – Rodolfo Canônico, diretor executivo e cofundador da Family Talks 

“Há alguns anos, um jovem, uma criança para ter acesso à pornografia, precisava ter algum material físico: uma fita, algum vídeo, uma revista (…). Era por esse tipo de mecanismo que o conteúdo circulava. Hoje ele circula de forma totalmente aberta, abrangente, sem nenhum tipo de restrição e controle pela internet. O nível de acesso e de consumo explodiu com a internet. A facilidade de acesso é espantosa”, alerta Rodolfo.

Consequentemente, o cofundador da Family Talks lembra que a produção deste tipo de conteúdo também aumentou de forma assustadora. “Não temos dúvidas de que os níveis de consumo estão batendo recordes”, aponta. Na França, Rodolfo afirma que foram adotadas medidas de restrição a conteúdo pornográfico. “A média de idade de acesso a esse tipo de conteúdo é 11 anos de idade (…). Então, houve uma facilitação imensa”, sublinha. Ele também cita a “complacência” da sociedade que, por muito tempo, considerou que este tipo de conteúdo não fazia tão mal.

Com o tema sendo mais discutido e pensado, o especialista em políticas públicas para a família afirma que foi constatado o quanto a pornografia afeta negativamente adultos e, principalmente, crianças. “Começa a surgir uma conscientização de que isso é danoso”, comenta. “Casamentos podem ser prejudicados quando os cônjuges passam a acessar conteúdo pornográfico. Ele afeta a libido, diminui o desejo pelo cônjuge. Isso está associado a piora da qualidade da relação conjugal. Então, imagina isso numa criança… os danos são ainda maiores”.

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Efeitos da pornografia

Doutor em teologia moral e professor na Faculdade Dehoniana, padre Mário Marcelo Coelho /Foto: Faculdade Dehoniana

De acordo com Padre Mário Marcelo, o ser humano é um ser erótico: “temos desejos, paixões”. A sexualidade, recordou, é algo bom, criada por Deus. “Ela pode ser usada em uma relação amorosa, de respeito ou para nos prender”. O vício da pornografia não atinge somente as crianças, mas também jovens, adultos e até mesmo idosos (“um grande número”), indica o sacerdote. No entanto, “nas crianças, o efeito é mais violento, mais drástico, porque começa desde pequenininho a deturpar a consciência sexual”.

“E qual é o grande problema hoje do vício da pornografia? (…) O orgasmo é uma função mais cerebral do que genital. Por isso, a dependência sexual pornográfica de internet se torna um problema ainda mais grave que as outras dependências, porque ela atinge em cheio a mente da pessoa”, explica.

Junto com o cérebro, o sacerdote afirma que a pornografia adoece toda a pessoa, sua visão de corpo, sua visão do outro. O outro se torna objeto de prazer e exploração. As pessoas que têm o vício da pornografia, passam a ver tudo e todos como objetos sexuais e possibilidades alternativas de prazer. “Quando se passa a ver todos como objetos sexuais, há uma deturpação, um desvirtuamento da sexualidade”.

“A pornografia destrói tudo, as relações, o sagrado no ser humano, sua capacidade de amar, o amor ágape, gratuito, respeitoso. O diabo tem vários nomes, mas se pudéssemos dar um nome, com certeza, seria pornografia”, sublinha.

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Proteção das crianças

Rodolfo defende que é preciso proteger as crianças, pois elas são vítimas desse tipo de conteúdo e sofrem consequências profundas por não estarem totalmente desenvolvidas. “É necessário criar barreiras que impeçam que crianças tenham acesso (…). É necessário ter barreiras efetivas, tal como existem uma série de estabelecimentos, por exemplo, em que a mera presença de uma criança é imprópria”, reforça.

“A pornografia destrói tudo, as relações, o sagrado no ser humano, sua capacidade de amar, o amor ágape, gratuito, respeitoso. O diabo tem vários nomes, mas se pudéssemos dar um nome, com certeza, seria pornografia” – Padre Mário Marcelo Coelho, doutor em teologia moral e professor na Faculdade Dehoniana

Padre Mário apoia a necessidade de uma educação, uma formação da consciência para um senso crítico diante da internet. “Como as crianças, quase todas, têm hoje seu celular, seu smartphone, ou se não tem, têm do seu coleguinha do lado, isso facilitou muito o acesso a todo tipo de conteúdo”. “As pessoas ainda não tomaram consciência dos malefícios da pornografia, sobretudo para as crianças, que estão formando uma consciência sobre a sexualidade, ou, até mesmo, a deformando, tendo uma visão muito negativa, pejorativa de si. Isso pode atrapalhar relacionamentos futuros”, observa.

Outro conteúdo que o cofundador da Family Talks classifica como danoso e que circula nas redes sociais são os de apostas. “A classificação etária para rede social é 14 anos. Isso não tem sido cumprido. Rede social não é lugar de criança. A criança, além de poder viciar, está exposta a conteúdos impróprios para a sua idade, que lesam o desenvolvimento e podem deixar marcas psicológicas negativas”.

Trabalho em conjunto

O professor de teologia moral da Faculdade Dehoniana defende a realização de um trabalho de prevenção. “Claro, quando o vício existe, ele precisa ser curado, precisa ser trabalhado, mas o trabalho maior é a prevenção”, reforça. Para o sacerdote, é preciso sim haver uma censura diante deste tipo de conteúdo. Ele sugere, inclusive, a não disponibilização de determinados filmes, novelas, e cenas de sexo para crianças. Padre Mário acredita que este tipo de censura deve ser um trabalho do Estado.

Ao chamar atenção para a família, o presbítero comenta a importância de os pais estarem sempre vigilantes, acompanhando os filhos, sabendo quais conteúdos estão consumindo. “A criança é vulnerável. Ela não consegue perceber ainda as consequências dessas ações, a gravidade”, reitera. Padre Mário acredita que o papel da escola seria conscientizar os alunos sobre os efeitos nocivos da pornografia, apresentando dados e pesquisas sobre o tema.

O sacerdote acredita que a Igreja também deve ter sua contribuição, preparando catequistas e formadores para lidarem com essa realidade. “Nós temos que atingir a sociedade como um todo. É um trabalho conjunto”, afirma.

“O tema é unânime na Casa. É preciso, no entanto, que a população ajude a pressionar pela aprovação, porque ele ainda irá tramitar na Câmara dos Deputados” – Alessandro Vieira, senador e autor do PL

O autor do PL, Alessandro Vieira, afirma que há boas perspectivas no Senado, já que o projeto foi muito bem avaliado e revisado pelas comissões. “O tema é unânime na Casa. É preciso, no entanto, que a população ajude a pressionar pela aprovação, porque ele ainda irá tramitar na Câmara dos Deputados”.

Alerta do Unicef

Recentemente, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) manifestou preocupação com a exposição de crianças à pornografia. Segundo a agência, este contato pode levar a problemas de saúde mental, sexismo e objetificação, violência sexual e outros resultados negativos. Entre outros riscos, ela apontou que quando as crianças veem pornografia que retrata atos abusivos e misóginos, elas podem vir a ver esse comportamento como normal e aceitável.

“O Unicef está alarmado com a enorme quantidade de pornografia disponível online, incluindo conteúdo cada vez mais gráfico e extremo que é facilmente acessível a crianças de todas as idades. Os esforços para regular o conteúdo e restringir o acesso das crianças à pornografia não acompanharam as mudanças tecnológicas que alteraram profundamente o cenário para o consumo de pornografia. Embora muitas jurisdições tenham efetivamente restringido o acesso das crianças à pornografia em mídia não digital, inclusive tornando ilegal a distribuição de pornografia para crianças ou a exposição intencional de crianças à pornografia, os esforços para fazer o mesmo em ambientes digitais não têm sido eficazes”, declarou.

Publicamente, a agência declarou seu apoio a todos os esforços dos governos para garantir que as crianças sejam protegidas de conteúdo prejudicial de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a orientação oficial do Comitê dos Direitos da Criança. O Unicef declarou que reconhece as enormes oportunidades que o ambiente digital oferece para a aprendizagem, brincadeira, criatividade, participação e socialização das crianças. No entanto, declarou que as crianças devem poder acessar e se envolver no ambiente digital, mas com segurança, sem serem prejudicadas pela exposição à pornografia.

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