Dias cinzas e as eleições. Por Elenira Vilela

Elenira Vilela escreve artigo sobre a crise climática e como Florianópolis está sendo afetada pela poluição, queimadas e negligência governamental, destacando a importância de eleger líderes comprometidos com a prevenção de desastres ambientais e ações climáticas.

Floripa tem amanhecido, por vários dias seguidos, totalmente cinza. “Ah, mas nevoeiro é normal, até manteve fechado o aeroporto em 19 de agosto, e o sol anda lindo, laranja e até vermelho. Que beleza!”. Infelizmente, quase tudo isso é falso! Sabe aquele famoso saber popular, “neblina baixa, sol que racha”? Por que o sol não apareceu depois? Por que o dia continuou cinza? Porque é fumaça e fuligem e não (somente) nevoeiro. Quando o dia está cinza por conta da umidade, em geral, não dá pra ver o sol por trás das nuvens. O fato de ele estar aparecendo vermelho é por conta da passagem da luz pelas partículas de fumaça e fuligem.

A verdade é que o Brasil está em chamas porque o agronegócio está colocando fogo no país e, ao invés dos “rios voadores” da Amazônia trazerem chuva, estão trazendo fumaça para a região Sul. A questão ambiental não é uma preocupação de ecochatos. Aliás, nós que falamos da importância da preservação ambiental há décadas, podemos agora, infelizmente, virar aquele personagem de desenho que era uma motoquinha de criança e gritava “eu te disse, eu te disse!”. Mas não é e nunca foi o que queremos.

Todo filme de desastre começa com um cientista sendo ignorado e cientistas estão sendo ignoradas/os há décadas no que diz respeito à crise climática. Aqui em Floripa, alertamos sobre a importância do saneamento, sobre o prejuízo que as diversas modificações no plano diretor — que não consideram adensamento, mobilidade, equipamentos públicos (como praças, escolas e unidades de saúde), criação de parques e áreas de preservação (destaque para a luta que fazemos pela criação do Parque das Três Pontas) e só atendem aos interesses das construtoras e de grandes empresários — iriam gerar desastres.

Agora, eles estão aí: a cidade ganha com frequência o triste título de cidade com pior mobilidade, o turismo e a qualidade de vida estão sendo prejudicados pela falta de saneamento, o que resulta em problemas constantes de balneabilidade das praias e falta de água na rede de abastecimento, além da destruição da Lagoa da Conceição pelo crime ambiental do rompimento da lagoa de evapoinfiltração, enchentes, alagamentos constantes, problemas com deslizamentos que atingem a população mais pobre, a qualidade do ar, e por aí vai.

Na reunião convocada pelo Clube Avante e pela Associação de Moradores do Santo Antônio, lembramos das audiências públicas que participamos há 18 anos sobre o saneamento na região, das mobilizações que fizemos na praça do pedágio pela implantação das estações de tratamento, e até hoje isso é uma demanda de toda a cidade. Seguimos ocupando posição vergonhosa na cobertura de saneamento.

Os políticos representantes dos grandes empresários têm sido eleitos com frequência e a Câmara de Vereadores, que é um puxadinho da prefeitura — que, por sua vez, é um puxadinho do Sinduscon, da FIESC e da CDL, entidades patronais — aprovam mudanças no plano diretor e outras legislações que só aprofundam esses problemas, sem qualquer debate sobre esses temas que alcancem a cidade e alterem esse curso.

O Brasil sediará, em novembro de 2025, a COP 30 (30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), e como Florianópolis, uma cidade que tem a maior parte do seu território constituída de uma ilha oceânica, com áreas que deveriam ser de preservação, totalmente litorânea, que será gravemente atingida pelo aumento dos oceanos, fará sua participação?

Se você escrever “Florianópolis COP 30” no Google, a única menção que aparece é o Projeto de Lei 19219/2024, que apresentei como vereadora na Câmara de Florianópolis. Esse projeto autoriza a Prefeitura a organizar uma delegação, tanto de agentes públicos quanto da sociedade civil, para que possamos ser ouvidos como cidade vulnerável a desastres climáticos, e captar iniciativas para contribuir localmente na mitigação da ebulição climática e na reversão dessa crise.

Há ainda a indicação que fiz, na Câmara, para “solicitar que, sob a coordenação da Defesa Civil, seja elaborado por todas as secretarias, fundações, coordenadorias e institutos o desenvolvimento de ações voltadas a estabelecer protocolos de emergências para eventos climáticos extremos, nos quais sejam contempladas a preparação, contenção e recuperação”. Infelizmente, não é mais uma questão de “se vai acontecer” um desastre devido a um evento climático extremo, mas de “quando irá acontecer” e se estaremos preparados. Mesmo com cientistas e ativistas ambientais sendo ignorados e boicotados ou perseguidos pelos grandes capitalistas e seus representantes políticos em todo o mundo, os desastres como consequência do aquecimento global são uma certeza.

Somos vizinhos ao estado brasileiro que enfrentou, em sequência, duas tragédias graves: a seca, que assolou o sul do Brasil e chegou a impor situação de emergência em mais de 80% dos municípios dos 3 estados do sul por mais de um ano; e, depois, o Rio Grande do Sul enfrentou uma enchente sem precedentes e está em processo doloroso de reconstrução.

Há 20 anos, Santa Catarina viu o Ciclone Catarina destruir 40 mil casas e impor prejuízos avaliados em torno de 350 milhões de dólares. Ciclone é o nome que se dá para furacões no hemisfério sul. Eles passarão a acontecer com mais frequência e estamos na zona de perigo de maior incidência.

No portal da Transparência constam como contratados na Superintendência da Defesa Civil duas professoras e duas auxiliares de sala, além do próprio superintendente. Claro que a Defesa Civil Estadual também atua na cidade, mas essa é a estrutura necessária? É suficiente para atender às demandas? E o corpo técnico? Será que as professoras e auxiliares de sala conseguem corresponder às necessidades da cidade neste tema? É importante destacar que na página da Defesa Civil constam 4 nomes diferentes desses que constam no Portal da Transparência, mas, ainda que a equipe seja de 8 pessoas, será suficiente?

Para um parâmetro de comparação, neste mesmo portal constam 157 membros da Guarda Municipal, de um total de 240 pessoas contratadas na Secretaria de Segurança e Ordem Pública. O investimento no Fundo de Emergência da Defesa Civil em um ano (de setembro de 2023 a setembro de 2024) foi de pouco mais de 47 mil reais. Isso é o que é possível levantar a partir das poucas informações acessíveis.

Considerando que a Floram está com um corpo técnico que tem menos de um quarto do que a lei exige e não consegue realizar as atividades necessárias, somado à crise climática, estamos nos preparando para viver o caos e não ter a menor ideia de como agir. Literalmente, pessoas morrerão em número difícil de prever, e a resposta da Prefeitura e da Câmara, a mando de empresários muito ricos, é: “isso não é prioridade” ou talvez o “deixa acontecer”. Parece que eles têm certeza de que não vão morrer e não se importam se os mortos serão, em sua maioria, mulheres e crianças negras de periferia. Mas, quando falamos em racismo ambiental, esses mesmos chamam de paranoia.

O fato é que para quem só se preocupa com dinheiro, esses eventos começam a atingir também seus negócios. Primeiro porque estamos todos doentes: na sua família tem muita gente com tosse, doenças respiratórias, gripes e resfriados também? E a causa é a poluição mesmo. Essas pessoas faltam mais ao trabalho e quem consegue ir produz menos. Mas o efeito principal sentimos no verão, com a falta de mobilidade, o alto custo de alimentação e, principalmente, por causa da poluição das praias, que tem tirado a cidade da indicação de agências de turismo.

Floripa sediou um evento de juristas sobre Direito Ambiental, organizado por um escritório de advocacia que apresenta, dentre as suas especialidades, a “Anulação ou redução de multa ambiental”, “Defesa contra auto de infração ambiental” ou “Defesa em ação penal por crime ambiental”, entre outros. O escritório se orgulha em ter expertise em artigos com títulos como “8 possibilidades para levantar embargos ambientais”. Tire suas próprias conclusões de quais são as preocupações ambientais desse escritório. Consta que o Prefeito Topázio Neto participou do evento, segundo notícia veiculada pelo Portal Informe Floripa, o que parece bastante coerente visto que ele se manifestou abertamente contra a intervenção judicial para fazer cumprir a legislação ambiental.

Outro ponto é que essa turma gosta de colocar a culpa nos pobres e nas empresas públicas. Mas não são os pobres que produzem a maior parte das emissões de gases, nem do esgoto, nem que jogam o esgoto in natura no mar. São os ricos e os grandes empreendimentos (quem não se lembra da polêmica sobre a falta de tratamento de esgoto do Floripa Shopping). As empresas públicas estão falhando não porque o que é público não funciona, pelo contrário, essa é uma questão que só pode ser encaminhada a contento por empresas públicas fortes, com servidores e servidoras públicas com estabilidade para defender o interesse coletivo e não ser perseguidos pelos donos do poder. Mas esses mesmos políticos e empresários que dizem isso são responsáveis pelo desmantelamento da Casan, da COMCAP, da FLORAM, do IMA, entre outros. Eles não dão prioridade ao orçamento nessas áreas, não fazem concursos para contratação de técnicos e fiscais, vivem propondo e alterando legislação para tirar poder dos órgãos regulatórios e implementadores de políticas, e fortalecem a chamada autorregulação, um eufemismo para o “liberou geral”, com grande apoio da mídia corporativa. Mas, quando a tragédia vem, cobram que o poder público atue. Como atuar, se todos os dias esses mesmos dizem que é necessário reduzir o Estado, flexibilizar a legislação, diminuir o número de servidores e o investimento público (como fez recentemente a Folha de São Paulo, inclusive)?

Na tragédia do RS, foram comuns cobranças contundentes para ação dos governos municipais, estaduais e federais como responsáveis, mas zero cobrança sobre a iniciativa privada, que recebe benefícios fiscais e investimentos públicos, defendidos por essa mesma mídia, empresários e políticos de direita, em detrimento dos órgãos de controle públicos que sofrem com campanhas difamatórias e boicotes.

Como seguiremos? Vamos ignorar a COP 30? Vamos esperar acontecer? Não vamos aprender nada com os vizinhos gaúchos? É preciso eleger Prefeitura e Câmara que atuem para a prevenção de desastres climáticos de forma consistente, visando a reversão da ebulição climática como prioridade real. É necessário estar em sintonia com o Governo Federal do presidente Lula, que priorizou trazer a COP para o Brasil, para acontecer na própria Amazônia, e que tem atuado na defesa de povos indígenas e quilombolas, na demarcação de terras, e no fortalecimento dos órgãos ambientais e empresas públicas, ainda que muito menos que o necessário devido ao boicote de Arthur Lira e da maioria da Câmara Federal.

O capitalismo jamais terá uma resposta eficaz para a crise climática. A lógica do lucro é pragmática, imediatista e individualista. O neoliberalismo acelerou a crise climática. Agora, é uma questão de sobrevivência imediata. Citando novamente o saber popular, “agir da mesma forma esperando resultados diferentes é burrice”. As eleições são uma oportunidade para Florianópolis alterar o curso de sua atuação. A perspectiva popular, com consciência ambiental, é a única possível.


Elenira Vilela é candidata a vereadora de Florianópolis pelo PT.

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