Indesejados em Balneário Camboriú aumentam população de rua em Biguaçu

Longe de casa, Antônio* teve a ideia de ser preso para conseguir um telefonema. Em Biguaçu, na Grande Florianópolis, ele tentou roubar uma bicicleta no estacionamento da prefeitura, diante dos olhos de moradores e de policiais que passavam no local, na manhã de 24 de janeiro. Seu objetivo era, da delegacia, conseguir falar com a família e retornar para Balneário Camboriú.

A série de reportagens “À sombra dos arranha-céus” traz a história de quatro homens — Jairo*, Antônio*, Eduardo* e Felipe* — que denunciaram ter sido abordados pela Guarda Municipal nas ruas de Balneário Camboriú e internados, sob ameaça, na comunidade terapêutica Instituto Redenção, em Biguaçu. O convênio junto à prefeitura foi alvo de uma investigação interna e de duas investigações do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), que apuram irregularidades no contrato e denúncias relacionadas à abordagem social.

“À sombra dos arranha-céus” expõe denúncias e investigações a respeito das condutas de internação involuntária na cidade catarinense conhecida, por seus altos edifícios, como a “Dubai brasileira” – Ilustração: Gil Jesus da Silva

Diferente de Felipe*, que conseguiu voltar para Balneário Piçarras, sua cidade de origem, após sair do Instituto Redenção, Jairo*, Antônio* e Eduardo* passaram a dormir nas ruas de Biguaçu quando deixaram a internação. Na tentativa de voltar para casa, eles pediram dinheiro, comida e ajuda para os moradores do município da Grande Florianópolis.

Os três não foram os únicos. Taxistas, comerciantes e vigilantes perceberam o aumento da população de rua no município e receberam o pedido de ajuda de muitas pessoas que contavam a mesma história: foram pegos à força por agentes da Guarda Municipal, colocados em uma van preta e internados no Instituto Redenção.

Na manhã de 24 de janeiro, após dois dias fora do instituto andando pela cidade sem documento e nem celular pedindo ajuda para voltar para Balneário Camboriú, Antônio* tentou roubar a bicicleta. Aos policiais e à reportagem, ele contou seu objetivo: ser preso para conseguir ligar para um conhecido e arranjar uma carona de volta para cidade onde mora.

Ele foi até o bicicletário da Prefeitura de Biguaçu e começou a mexer em uma das bicicletas estacionadas no local. O local era estratégico. Do outro lado da rua, a menos de cinco metros de onde estava, ficavam taxistas e viaturas da Guarda Municipal, na praça Nereu Ramos, que centraliza os órgãos de justiça e segurança da cidade.

“Eu olhei uma bicicleta e fui, estourei o cadeado e fiquei parado na frente. Aí uma mulher veio, ‘a bicicleta é tua?’ Eu falei que não. Ela segurou a bicicleta, chamou os taxistas. Aí eu saí correndo um pouco, porque eu sabia que ia apanhar. Os caras me pegaram mais na frente, mas eu parei e falei, ‘me rendo, me rendo, me rendo’”, conta.

Para chamar atenção e assim conseguir voltar para casa, Antônio* tentou roubar uma bicicleta no estacionamento da prefeitura de Biguaçu – Foto: Leo Munhoz/ND

“Falam que foram trazidos de Balneário Camboriú à força e deixados aqui”

Quando foi entrevistado, em janeiro de 2024, Alexandre Ori da Silva gerenciava o restaurante Nadin, um paradouro 24h que ficava à margem da BR-101, mas que fechou em 26 de fevereiro. Ele conta que, dois dias antes da entrevista, em 22 de janeiro, uma funcionária sua viu uma van deixando pessoas na marginal, pouco à frente do restaurante. Logo, as pessoas foram pedir ajuda no estabelecimento.

“Aqui sai um, aparece outro. Sempre tem um. E agora está vindo sempre a mesma história. Falam que foram trazidos de Balneário Camboriú à força e deixados aqui.”

Procurada diversas vezes, a assessoria de imprensa da prefeitura de Biguaçu não respondeu até a publicação desta série.

A volta para casa

Quando conversou com a reportagem, Jairo dormia há quatro dias nas ruas de Biguaçu e ainda tentava voltar para Barra Velha.

“Em Balneário eu não fico mais não, ô lugarzinho. To dormindo na rua desde domingo [em Biguaçu]. Eu só quero ir pra casa da minha mãe”.

Eduardo* e Antônio* se conheceram na clínica e se encontraram nas ruas de Biguaçu. Após Eduardo* passar 10 dias dormindo na rua, ele e Antônio* voltaram para casa com um carro de aplicativo pago por um de seus familiares.

Morador de Balneário Camboriú, Antônio* exibe machucados nas mãos e nas pernas, decorrentes das abordagens policiais sofridas. Ele se recusou a ceder às ameaças para não voltar à cidade.

“Quando eles [Guarda Municipal] deixaram a gente lá falaram para a gente não voltar, senão, ia levar uma surra. Mas se eu não voltar pra minha cidade, eu vou pra onde? Vou abandonar tudo? Não é assim que funciona”, desabafou Antônio*

Uma vez preso, Antônio* queria conseguir um telefone na delegacia para falar com a família e retornar a Balneário Camboriú – Foto: Leo Munhoz/ND

Procurada para se pronunciar a respeito das irregularidades da abordagem e da violência da Guarda Municipal, a prefeitura de Balneário Camboriú afirmou desconhecer as denúncias e justificou que “a Guarda Municipal somente acompanha os profissionais de Saúde e Inclusão Social, para garantir a segurança deles”.

A respeito das práticas denunciadas por Jairo*, Antônio*, Felipe* e Eduardo*, a assessoria de imprensa do município afirmou que “cumpre todas as determinações tidas no processo”, com base em determinações do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina).


*Embora os personagens desta série de reportagens sejam reais, os nomes citados são fictícios e resguardam as identidades das fontes

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