Desigualdade salarial: o que fazer ao saber que seu colega homem ganha mais?

Priscila Vieira, 32 anos, descobriu que ganhava um salário bem menor que seu colega homem na mesma função. “A gente entrou juntos e tínhamos a mesma formação. Poxa, você faz o mesmo trabalho, você tem a carga horária maior e você recebe menos que a metade!”, desabafou.

Essa discrepância salarial faz de Priscila e de tantas outras mulheres parte das estatísticas que evidenciam a desigualdade salarial de gênero no mercado de trabalho.

Apesar de mais escolarizadas, mulheres ainda ganham menos do que homens no Brasil, indicam pesquisas sobre desigualdade salarial

Apesar de mais escolarizadas, mulheres ainda ganham menos do que homens no Brasil, indicam pesquisas sobre desigualdade salarial de gênero – Foto: Freepik/Reprodução

Uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelou que, em média, as mulheres ganhavam 21% a menos que os homens em 2022, apesar de terem maior nível educacional. O estudo apontou que 21,3% das mulheres têm ensino superior, enquanto o índice é de 16,8% entre os homens.

Um relatório mais recente, divulgado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), indicou que, dentro de uma métrica que varia de 0 a 100, a igualdade salarial no Brasil foi de 78,7 em 2023. Nessa métrica, valores mais próximos de 100 representam maior equidade entre os gêneros.

Legislação para igualdade salarial

Danilo Martelli, advogado especialista em direito trabalhista – Foto: Acervo pessoal

Danilo Martelli, especialista em direito do trabalho, explica que a equiparação salarial por gênero é um direito contemplado na Constituição Federal. Ele também destaca o Art. 461 da CLT, o qual ratifica que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.

“Apesar da Constituição e da CLT resguardarem esse direito, infelizmente, a desigualdade salarial tem sido uma constante histórica. Isso levou à criação de uma nova lei que fortalecesse a fiscalização. Agora, além da possibilidade de indenização ao trabalhador, as empresas que desrespeitarem essa norma podem ser penalizadas”, relata Martelli.

A Lei de Igualdade Salarial nº 14.611, sancionada em julho de 2023, exige que companhias com mais de 100 empregados elaborem e submetam um relatório de transparência salarial aos órgãos fiscalizadores. As infrações detectadas nos relatórios podem resultar em multas de até 100 salários mínimos para as empresas irregulares.

Graziella Calcagno, também especialista em direito do trabalho, afirma que o relatório permitirá identificar discrepâncias salariais sem expor nomes de funcionários. “Esses dados são anônimos, não vai ter ali o nome do colaborador, mas vai ter as funções e os salários”, explica.

O que fazer em caso de desigualdade salarial?

Em caso de descobrir desigualdade salarial, é possível tomar algumas ações:

  1. Diálogo com a empresa visando reivindicar a equiparação salarial.
  2. Denúncia ao Ministério do Trabalho e Emprego, para aplicação de penalidades em casos de irregularidades.
  3. Busca por assistência jurídica para obter reparação e compensação pela desigualdade salarial.

Renata Regis, psicóloga com experiência em recrutamento e orientação de carreira, indica que uma das vias é o diálogo com o empregador: “Se é uma empresa que a pessoa gosta, vale a pena tentar a comunicação. Falar com quem a contratou para tentar entender qual é o motivo. Aí tem que ver se a empresa dá uma explicação convincente. Se não houve o convencimento, é preciso avaliar se os valores da empresa estão de acordo com os nossos valores. Será que é aquilo que eu quero para o futuro?”

Renata Regis, psicóloga com experiência em recrutamento e orientação de carreira – Foto: Acervo pessoal

Priscila relatou as dificuldades em abordar o assunto com seu chefe, destacando o medo de represálias. “Você fica preocupado com o que pode acontecer. É difícil chegar no seu chefe e falar olha, fulano ganha mais do que eu. Depois pode acontecer um assédio maior. Eu dependia do meu trabalho para viver e por isso fiquei na empresa por 3 anos sabendo dessa diferença. Arriscar perder o emprego que mantém a sua vida é difícil demais”.

Uma segunda opção é fazer uma denuncia no Ministério do Trabalho e Emprego, explica o advogado Martelli. “É possível fazer uma ação no âmbito coletivo. Denunciar ao MTE, que vai verificar a situação com base na nova lei e poderá multar a empresa em até 100 salários mínimos. A multa não vem em benefício do empregado, mas busca resolver um problema social”, considera.

A terceira via é buscar por assistência jurídica, seja por meio do sindicato da classe ou de um advogado particular, para obter a correção das disparidades salariais e a reparação pelos prejuízos. “Se a mulher se sentiu lesada, ela pode procurar um advogado para reaver o seu direito. A justiça vai verificar a situação e pode indenizar a pessoa com até 10 vezes a diferença de salário. Também é receber por danos morais, e ter o seu salário equiparado”, elucida Martelli.

Priscila contou que ao final decidiu sair da empresa e entrar com uma ação judicial: “Tomar uma decisão como essa é muito difícil, porque você coloca em risco toda a sua vida profissional. Por fim, tomei coragem e decidi ajuizar uma ação. O processo foi bastante difícil, a juíza perguntou questões muito técnicas, vários requisitos que estão delimitados na lei”, disse.

Requisitos para equiparação salarial

Martelli recomenda entender bem a situação antes de entrar com um processo, a fim de não ter surpresas: “Procure ter certeza do salário e que você contempla todos os requisitos. Caso perca a ação, a pessoa será responsável por pagar os custos processuais e os honorários advocatícios da parte que venceu o processo. Salvo se for pobre nos termos da lei e possua assistência judiciária gratuita”.

Graziella Calcagno, especialista em direito do trabalho – Foto: Acervo pessoal

A advogada Calcagno esclarece os critérios para a equiparação salarial, destacando a importância dos planos de carreira: “A presença de um plano de carreira simplifica a verificação do direito à equiparação salarial, uma vez que os critérios de remuneração são claramente estabelecidos. Na ausência de tal plano, torna-se essencial atender a determinados requisitos, como a permanência de mais de dois anos na mesma posição, além de demonstrar equivalência em termos de competência técnica e produtividade em relação ao colega masculino.”

Ademais, é importante apresentar testemunhas capazes de relatar a desigualdade salarial de gênero, um obstáculo que Priscila enfrentou: “o funcionário não quer ser testemunha contra a empresa que trabalha, nem para falar o óbvio”, desabafou.

O advogado Martelli reitera a complexidade de convencer colegas a testemunhar: “o ideal é que o colega que tem o salário maior venha a colaborar. Ele pode participar do processo sem incorrer em qualquer penalidade, mas claro que na prática pode acontecer alguma penalização da empresa ao funcionário, ainda que velada”.

A jornada de Priscila em busca de justiça, embora desafiadora, culminou em um veredito favorável: “Quando você ganha a ação, é uma sensação de dever cumprido, de que a justiça foi feita”, disse.

Além do salário, Priscila comentou que a desigualdade está perpetrada também em outras instâncias do mercado de trabalho. “Eu converso com as minhas amigas mulheres e todas concordam. A gente tem que estar muito melhor posicionada, melhor estudada e muito bem vestida para ser respeitada e ser ouvida dentro do ambiente que a gente atua. A gente tem muito mais exigência”.

Ela também comentou que vê sinais de progresso, graças à coragem e iniciativa de mulheres no passado. “A gente tem visto o posicionamento dos tribunais favoráveis à igualdade de gênero. É um avanço para a gente. Isso porque outras mulheres lá atrás tiveram coragem de lutar por isso. Estamos melhorando como sociedade, ainda que a passos muito lentos.”

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