Plantas que curam: como uma horta em um Centro de Saúde em Florianópolis vira forma de terapia

Era uma segunda-feira chuvosa de fevereiro, a terra estava molhada e sob uma goiabeira, cinco pessoas se reuniam para o grupo de hortoterapia no Centro de Saúde do Itacorubi, em Florianópolis.

Horta como terapia é o que prega a médica do CS Itacorubi

Centro de Saúde promove cuidado através das plantas na horta do local — Foto: Ana Schoeller/ND

Nem mesmo a chuva fraca afugentou aqueles que estavam lá para discutir como promover saúde através do cuidado com as plantas.

Preparada para mergulhar nas histórias de seus pacientes e acolhê-los com a dedicação de sempre, a médica de família Mayara Floss deixou para trás o jaleco impessoal, trocando-o por uma vestimenta mais acolhedora, pronta para se sentar ao lado deles.

Antes de darem início ao plantio das sementes do dia, a então residente de medicina de família, Carolina Gomes Teixeira Cabral, compartilhou uma poesia inspiradora.

 

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Uma publicação compartilhada por CENTRO DE SAÚDE ITACORUBI (@csitacorubi)

Em seguida, conforme o ritual estabelecido, cada participante revelou seu nome, sua planta predileta e uma música favorita.

Com as mudas “prontas” e ao som das músicas escolhidas por todos, o trabalho começou. As mãos começaram a cavar a terra preta própria para o plantio, enquanto algumas mudas que já estavam prontas foram colocadas.

Em meio ao trabalho na horta, uma surpresa aguardava. Os primeiros feijões da plantação foram colhidos por uma das participantes, acrescentando um toque de alegria e gratificação ao esforço compartilhado.

Feijões colhidos na horta do CS Itacorubi

Primeiros feijões da horta do Centro de Saúde do Itacorubi — Foto: Ana Schoeller/ND

O também residente Gustavo Guimarães, auxiliava as pessoas que, antes eram somente pacientes, virarem agora comparsas de plantio.

Ao seu lado estava Olivia Ferreira Cruz, uma mulher de 74 anos que frequentava o local há dois anos.

Ela, juntamente com outros colegas, afirmava categoricamente que não deixa de participar dos encontros, destacando a importância e o significado que aquele espaço tinha em suas vidas.

Paciente fala o que é ter horta como terapia

Participante da horta do Centro de Saúde do Itacorubi fala de importância do local — Foto: Ana Schoeller/ND

Moradora da região, Cruz diz que mexer na terra é terapêutico.

“Estar aqui é uma forma de terapia. Convivo, converso, planto e aprendo. Estar com a natureza é sempre um aprendizado”, conta enquanto observa uma colega atentamente plantando outra muda.

Ao seu lado, a médica Mayara Floss começa a se movimentar de um lado para o outro, procurando entusiasmada quem a ajude a plantar mais mudas.

“É um espaço para repensar o cuidado para além dos tratamentos tradicionais, envolvendo arte e música. Quando pensamos em saúde, cuidamos da doença, enquanto o artista cuida da vida. Aqui, estamos construindo de fato saúde neste lugar, em seu conceito mais completo e bonito”, diz a médica.

Médica e paciente participam juntas de horta como terapia

Imagem mostra a médica Mayara Floss (de blusa marrom) ajudando paciente na colheita — Foto: Ana Schoeller/ND

Sistema de irrigação com garrafas

Em um sistema que emprega garrafas PET para irrigar as plantas, evitando o acúmulo de água parada via trocas constantes ou vedação adequada, os frequentadores da horta do Centro de Saúde do Itacorubi conseguem manter o plantio no local de forma contínua e segura.

A maioria dos sistemas foi desenvolvido por José Cavalcante Barbosa, de 76 anos, um ambientalista curioso, aposentado como contador.

Morador do Campeche que frequenta a horta para ajudar a comunidade, Barbosa conta que aprendeu suas técnicas morando no Rio de Janeiro.

“Morei no Rio de Janeiro e lá tínhamos uma técnica que ensinava as pessoas a fazer pequenas hortas em espaços menores sem serem criadouros de mosquitos da dengue e sem precisar de tanta manutenção. A nossa ideia é que todas as pessoas possam ter uma horta como esta em sua casa”, conta enquanto mostra seus pequenos vasos.

Centro de Saúde Itacorubi promove plantio diferenciado usando reciclagem

José Cavalcante Barbosa foi o idealizador do sistema no local — Foto: Ana Schoeller/ND

O sistema opera com três garrafas PET, sendo uma destinada à água que fica na parte inferior, a do meio reservada para a terra e as raízes da planta, enquanto a superior é utilizada para o sistema de gotejamento da planta. Existem também variantes do sistema que possuem apenas duas camadas.

Além desse método, existe um sistema de irrigação que utiliza uma torneira conectada a pequenas garrafas PET furadas com agulhas, distribuindo a água de maneira uniforme para todas as plantas.


Vídeo mostra o sistema de irrigação — Vídeo: Ana Schoeller/ND

Horta como terapia

Em janeiro de 2023, pesquisadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, decidiram investigar os benefícios da jardinagem para a saúde e publicaram um estudo sobre o tema.

Durante essa pesquisa, publicada no periódico “The Lancet“, os cientistas analisaram os efeitos da jardinagem na saúde e descobriram que ela traz diversos benefícios.

As descobertas do estudo mostraram que participar da jardinagem coletiva pode aumentar a ingestão diária de fibras, promover a prática de atividade física e reduzir o estresse e a ansiedade.

Para alcançar seus resultados, os pesquisadores recrutaram 291 adultos, com idade média de 41 anos, que não tinham experiência prévia em jardinagem.

Horta como terapia no CS Itacorubi

Estudo mostra que mexer na terra faz bem de verdade – Foto: Ana Schoeller/ND

Metade desse grupo foi submetida à intervenção, recebendo uma horta comunitária gratuita, sementes e mudas, além de participar de um curso introdutório sobre jardinagem. A outra metade permaneceu no grupo de controle, sem participar da atividade.

Ambos os grupos forneceram informações periódicas sobre sua dieta, saúde mental e passaram por medições corporais.

Ao final do período de intervenção, os participantes do grupo de jardinagem aumentaram sua ingestão média de fibras em 1,4 gramas por dia (um aumento de 7%) em comparação com o grupo de controle.

O que o Centro de Saúde do Itacorubi tenta fazer?

Segundo a coordenadora do Centro de Saúde do Itacorubi, Lysiane de Medeiros, os profissionais querem resgatar a saúde, de verdade, no local.

Para isso, é preciso, segundo ela, ir contra a lógica de uma sociedade que está tomando cada vez mais remédios.

“Estamos buscando promover uma visão ampliada de saúde através da horta, criando um espaço para autocuidado, relaxamento e comunidade. Além de resgatar práticas como o uso de chás e conscientizando sobre questões como o aquecimento global”, detalha a coordenadora do espaço.

Horta como terapia no CS Itacorubi traz orgulho para coordenadora

Lysiane de Medeiros coordena o local e fala sobre importância do grupo — Foto: Ana Schoeller/ND

“Queremos oferecer cultura e informação através da música e de atividades culturais, transformando nosso espaço em algo mais do que apenas uma parede branca”, vislumbra.

Conforme a mesma, o desejo dos profissionais é que a comunidade participe cada vez mais das atividades do Centro de Saúde.

“Queremos que as pessoas participem, relaxem e se sintam acolhidas. Em um mundo cada vez mais estressante, é importante proporcionar espaços de cuidado para o bem-estar de todos”, completa ela.

A colheita final é cheia de benefícios para a saúde

Ao final das atividades no Centro de Saúde do Itacorubi, quando todos já sujaram suas mãos de terra e plantaram o que lhes foi sugerido, começa a colheita.

Agora, as tesouras começam a cortar mudas distribuídas para cada um dos participantes. Uns querem camomila, outros escolhem jambu, e há quem seja apresentado às PANCs — Plantas Alimentícias Não Convencionais.

O poder nutritivo das PANCs surpreende

As PANCs são plantas comestíveis que não são amplamente utilizadas na alimentação tradicional, mas que possuem potencial nutritivo e gastronômico.

Muitas vezes são consideradas “ervas daninhas” ou, simplesmente, ignoradas.

No entanto, podem ser uma fonte rica em nutrientes, além de contribuir para a diversificação da dieta e a sustentabilidade alimentar. Exemplos de PANCs incluem a ora-pro-nóbis, a taioba, a capuchinha e a azedinha.

Pacientes se juntam e escolhem o que vão levar da horta  - Ana Schoeller/ND

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Pacientes se juntam e escolhem o que vão levar da horta – Ana Schoeller/ND

Jeanne Martins Speckart, de 25 anos, levou algumas mudas para casa - Ana Schoeller/ND

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Jeanne Martins Speckart, de 25 anos, levou algumas mudas para casa – Ana Schoeller/ND

Além dos alimentos, os pacientes e amigos da horta podem fazer perguntas aos profissionais e receber chás como remédio, em uma troca sincera sobre o que é cuidado.

Ao final do dia na horta, as sacolas retornam para casa repletas, as mãos imersas na terra fértil e sorrisos florescem em cada rosto, como sementes de alegria semeadas generosamente.

“Te espero semana que vem” e “Não vejo a hora de voltar”, são as frases que finalizam aquele dia no local.

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