Com uma das piores malhas viárias do país, Santa Catarina trava com BR-101 maltratada

A BR-101 é a artéria da economia catarinense, porém, malcuidada há anos, sofre de histórica ausência de manutenção. É uma veia entupida. E quem precisa desse corredor logístico estratégico encontra dificuldades. Rodovia de orientação Norte e Sul, a 101 tem movimentação turística intensa na temporada, acesso aos portos catarinenses, um dos maiores complexos da América Latina, e uma pujante atividade industrial no seu entorno.

BR-101 travada em Santa Catarina

Ao todo, a 101 tem cerca de 460 quilômetros em Santa Catarina – Foto: Reprodução/ND

A Fetrancesc (Federação das Empresas de Transporte de Carga do Estado de Santa Catarina) fez recentemente um levantamento e constatou que a precariedade da malha viária gera um agravamento de custo operacional.

“É um custo adicional em torno de 45% para nossa atividade. Em função da fluidez do trânsito no trecho Norte, onde transitamos a 30 km/h, ou 40 km/h, temos um custo anual em nosso setor, em consumo de óleo diesel, de R$ 530 milhões”, cita.

Quando chove, o risco de deslizamento nas encostas sobe exponencialmente, e quando se confirma, como no sábado da semana passada, dia 13, quando uma pedra caiu sobre a rodovia na região de Palhoça, foi necessário bloqueá-la. Com a via fechada, o escoamento da produção de Santa Catarina e do país travam. Isso sem falar nos riscos à vida dos motoristas.

Ao todo, a 101 tem cerca de 460 quilômetros em Santa Catarina – 245 km são administrados pela Arteris Litoral Sul e cerca de 215 km pela CCR. Os problemas se concentram, sobretudo, no trecho Norte, mais antigo e movimentado, além de ter muitas cidades com crescimento exponencial no entorno.

Presidente da Fetrancesc, Dagnor Schneider lembra um dado vergonhoso. Santa Catarina tem a menor malha rodoviária pavimentada do Brasil. Do total de rodovias, apenas 6,6% são pavimentadas, enquanto a média brasileira fica em torno de 12%. “Temos em torno de 7.000 quilômetros de rodovias pavimentadas. O Paraná tem 19 mil km”, constata.

No último levantamento da CNT (Confederação Nacional do Transporte), Santa Catarina aparece entre os Estados com a pior malha. “Acima de 70%, pegando todo pacote, está ruim, regular ou péssima. No caso das estaduais, o cenário é pior ainda.”

No caso da BR-101, o empresário lembra que, por dia, transitam em torno de 10.000 caminhões na rodovia, boa parte do fluxo do Sul de Santa Catarina, também do Rio Grande do Sul em direção ao Norte do país, além do fluxo de retorno ao Rio Grande do Sul. “É uma das piores em termos de dinâmica operacional”, reclama.

“Imagina um motorista parado por cerca de 60 horas, debaixo de chuva, sem nenhum apoio para as necessidades básicas. As cargas esperando para serem entregues, horários e jornadas a serem cumpridos. E nós reféns dessas situações.”

Dagnor Schneider, presidente da Fetrancesc

Bloqueio no Morro dos Cavalos travou economia e colocou vidas em risco

O presidente da Fetrancesc criticou o transtorno gerado aos motoristas após o deslizamento e o bloqueio na rodovia no Morro dos Cavalos. Ele também quer saber para onde o setor desloca o fluxo de veículos dentro de Santa Catarina. Para Schneider, tanto a 282, quanto a 470 são problemáticas.

“Na minha visão, quem tem que planejar é o governo do Estado. As obras de infraestrutura precisam ser gestadas e planejadas por ele”, diz o empresário, que cobra uma gestão madura, responsável e estratégica, com visão de médio e longo prazo. “Santa Catarina corre sério risco de limitação no crescimento econômico por falta de infraestrutura, principalmente rodoviária”.

Pedra caiu sobre a rodovia na região de Palhoça e travou mobilidade no Sul do Brasil – Foto: Reprodução/ND

Nas redes sociais, o governador Jorginho Mello lamentou mais uma interdição na altura do Morro dos Cavalos. “Há anos cobro do governo federal um túnel para solucionar de forma definitiva a questão. Inclusive, sigo à disposição para tirarmos esse projeto do papel. Os catarinenses não aguentam mais ver essa situação se repetir ano após ano”, desabafou.

A necessidade de manutenção também é luta constante da Fiesc

A Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina) é uma das principais entidades em busca de soluções para as rodovias do Estado. Em 2021, em parceria com o Grupo ND mobilizou a campanha “BR-101, SC não pode parar”, que mostrou os problemas da rodovia e discutiu soluções.

Conforme o engenheiro Egídio Martorano, presidente da Câmara de Logística e Transporte da entidade, a Arteris faz manutenção nas encostas, porém, em determinados momentos o volume de chuva que atinge a região é muito maior do que o esperado. “Santa Catarina sofre muito com os eventos climáticos”, diz. Ele lembra que, em 2023, a Fiesc lançou a Agenda Água, um plano de adaptação às mudanças climáticas para logística.

“Sugerimos um trabalho com a concessionária, com Defesa Civil e PRF (Polícia Rodoviária Federal), identificando pontos críticos, como encostas. Fazer percursos que evitam encostas, às vezes, sai muito caro. Propomos um plano de adaptação às mudanças climáticas para mitigar o efeito desses eventos severos”, declara. O projeto definiria, também, rotas alternativas e um plano para emergências.

Para o presidente da Fetrancesc, Dagnor Schneider, o foco em manutenção também deve ser prioridade. Ele lembra que, por ano, quase 1.000 pessoas morrem em acidentes nas rodovias.

“Como Santa Catarina vai caminhar para alcançar essa condição de estrada boa? Quanto preciso investir para recuperar esse passivo e para manter em condições de estrada boa”, pergunta.

O engenheiro da Fiesc elogia o governo de Santa Catarina. “O governo tem recursos, hoje, para as rodovias estaduais de R$ 2,1 bilhões, e apresentou o programa Estrada Boa, mas nesse caso se destinam às rodovias estaduais, não às federais, como a BR-101”, afirma.

“Temos que esses recursos próprios e de financiamentos. Esse valor trará nova realidade para as rodovias estaduais, mas vai demorar um pouco. Obra leva tempo e tem o acúmulo ao longo dos anos.”

Santa Catarina tem a menor malha rodoviária pavimentada do Brasil – Foto: Reprodução/ND

Conforme Martorano, a Fiesc está monitorando a aplicação e fez sugestões de rodovias que devem ser contempladas. Para a Fiesc, a principal necessidade é manutenção rotineira e preventiva.

“Para cada um dólar aplicado em manutenção preventiva, serão necessários cinco dólares para restaurar, caso não aplique”, completa Martorano.

“Uma das razões da precariedade nas estaduais e federais é a falta de manutenção. O pavimento sofre com a chuva, peso, uso, precisa de manutenção. Precisa, no mínimo, R$ 120 milhões por ano. O ideal seriam R$ 200 milhões para manutenção da nossa malha.”

Egídio Martorano, presidente da Câmara de Logística e Transporte da Fiesc

Ministro dos Transportes garante R$ 1 bilhão

Ministro dos Transportes, Renan Filho visitou Santa Catarina na quinta-feira passada. Segundo ele, do R$ 1 bilhão que o governo federal reservou para as rodovias catarinenses, R$ 320 milhões são para manutenção.

“Precisamos chegar a cerca de R$ 450 milhões. Não é a qualidade da manutenção que é ruim, é que a falta de recursos do passado impôs uma manutenção a uma parcela de cerca de 30% de R$ 200 milhões. Se não há dinheiro, a obra é feita em qualidade inferior”, declara o ministro. “Manutenção duradoura precisa de investimentos mais robustos que agora podemos fazer”, completa.

Presidente do Fórum Parlamentar Catarinense, o deputado federal Valdir Cobalchini (MDB) diz que o orçamento federal para o Estado pode ser encorpado com emendas de bancadas e que isso será tratado, mas constata que já houve incremento de 400% em relação ao orçamento do governo anterior.

“A bancada vai buscar ampliar os orçamentos para as obras públicas do orçamento da União, mas também vamos nos debruçar em relação a obras que precisam entrar num programa de concessão público-privada, como na maioria dos Estados brasileiros”, diz Cobalchini.

“Não podemos mais ficar atrasados em termos de infraestrutura. Outros Estados fizeram a lição de casa, em termos de rodovias, que é o transporte nacional. Só temos a 101 duplicada. Precisamos avançar”, completa.

Soluções das entidades de Santa Catarina

A principal solução apontada pela Fetrancesc é uma rodovia paralela à BR-101, conectando o contorno da Grande Florianópolis a Joinville. “O projeto está na Secretaria de Infraestrutura, mas não avança, está lento”, diz Schneider. Estima-se um custo de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões para esse trecho, de cerca de 150 quilômetros.

A Fetrancesc também apoia a construção de túneis no Morro dos Cavalos. Eles  são uma das principais demandas do setor produtivo para atacar o problema da 101 no Morro dos Cavalos. A estimativa é de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão para a construção. A obra, no entanto, nunca saiu do papel por problemas no licenciamento, pois próximo ao local há uma aldeia indígena.

Conforme o engenheiro Martorano, tanto o Ministério Público, quanto a Funai não autorizaram a obra no passado e, hoje, os catarinenses sentem os reflexos. “As encostas são sempre perigosas. Sempre tem risco de cair. Foram 838 mm de chuva em 96 horas, quatro vezes o esperado no mês de abril para a região. Um absurdo”, diz.

O engenheiro considera o Morro dos Cavalos uma grande distorção. “Ali tem velocidade média de 30 km/h a 40 km/h, o que não condiz com um corredor da importância da BR-101. O túnel é importantíssimo para dar maior fluidez.”

Para ele, quando o contorno ficar pronto, a restrição do Morro dos Cavalos será ainda mais evidente, pois o gargalo ali continuará restringindo a velocidade. “O túnel ajudaria nos aspectos da fluidez, eficiência e segurança”, acredita.

Arteris informa que mantém o monitoramento das encostas

Em relação aos problemas no Morro dos Cavalos, que geraram bloqueios e filas quilométricas na BR-101, a Arteris Litoral Sul informa que realizou reconstrução do pavimento danificado, além da remoção e limpeza de blocos de rochas e material sobre a pista. Também removeu e suprimiu árvores. Demoliu barreiras de concreto para possibilitar a operação de desvio e reparos em dispositivos de drenagem.

Informa que mantém um programa de monitoramento de encostas na sua faixa de domínio, que contempla 1.947 estruturas inspecionadas anualmente ao longo das rodovias. Além disso, acompanha em tempo real as chuvas na região e uma série de indicadores, como obstrução de drenagem e movimentação de massas, além de fazer, constantemente, a inspeção de campo com suas equipes.

Diz que sempre que necessário, a concessionária apoia a PRF em bloqueios emergenciais de tráfego. O mesmo procedimento é adotado para liberação, quando as pistas apresentam condições favoráveis para a passagem de veículos com a máxima segurança. Ponderou, também, que no trecho do Morro dos Cavalos, o contrato de concessão não prevê obras. As interdições na região acabaram somente na manhã desta sexta-feira. Desde terça-feira a rodovia operava com restrições de faixas. Agora, todas as quatro faixas, duas no sentido Sul, duas no Norte, estão fluindo.

Revisão do contrato de concessão

A Arteris lembra que seu contrato de concessão tem vigência até 2033. Referente à repactuação, protocolou uma proposta em dezembro de 2023 no Ministério dos Transportes, que deve analisá-la para encaminhamento à ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) e, posteriormente, ao TCU (Tribunal de Contas da União).

Dos 460 quilômetros da BR-101 em Santa Catarina, 245 km são administrados pela Arteris Litoral Sul – Foto: Reprodução/ND

“A empresa entende como positiva a oportunidade de repactuação para a retomada de obras acordadas e a modernização contratual, tornando-a mais equilibrada na prestação de serviço público e trazendo reflexos positivos para a geração de empregos e o desenvolvimento socioeconômico regional”, escrever.

A empresa frisa que permanece dialogando com o poder concedente sobre as melhores soluções viárias para as rodovias que administra, incluindo a BR-101.

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