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Abrir uma garrafa de whisky é, em essência, um ato de destruição. Independentemente do preço, basta romper o lacre para que ela perca valor no mercado secundário. Há, claro, o prazer da degustação — mas, do ponto de vista comercial, esse gesto representa a renúncia ao seu valor financeiro.
Essa ideia não é nova. O que o Glenrothes 51 Anos, vendido por US$ 46,5 mil (R$ 279 mil), faz é elevar esse conceito a um novo patamar. Antes mesmo de provar o líquido — ou até mesmo vê-lo — é preciso destruir a peça que o envolve. O whisky vem encapsulado em uma coluna cilíndrica de Jesmonite, um composto de pó mineral (como gesso ou calcário) misturado a uma resina à base de água. A estrutura, com aparência de escultura contemporânea, está longe de lembrar uma embalagem convencional. Acompanha o conjunto um martelo personalizado.
A razão é simples: a única maneira de acessar o whisky é quebrando a coluna. É um exemplo extremo de consumo performático, onde o gesto de destruição é tão simbólico quanto o próprio líquido. Seria fácil reduzir tudo a uma estratégia de marketing — mas isso seria superficial.
O whisky já não é só sobre sabor
O Glenrothes 51 Anos vai além de uma embalagem ousada. Ele representa uma transformação mais profunda na indústria: o whisky deixou de ser apenas bebida. Tornou-se símbolo, patrimônio, fetiche. Hoje, ele está menos ligado ao sabor e mais à ideia de posse, de distinção, de capital cultural.
Tratar o whisky apenas como um bem de “valor de uso” — algo feito para ser consumido — é ignorar os novos sentidos que a sociedade passou a projetar sobre ele. E toda a indústria se moldou, e lucrou, a partir dessa mudança de perspectiva.

Este é o primeiro lançamento de whisky em que a garrafa e a bebida foram deliberadamente mantidos fora de vista
O Glenrothes 51 Anos encarna essa transformação de maneira quase cenográfica. O líquido permanece oculto até que seu proprietário decida destruir a estrutura que o envolve. Nesse gesto, a destruição deixa de ser uma consequência e passa a ser o próprio propósito. O simples ato de abrir a garrafa é elevado à condição de ritual. Com isso, o lançamento escancara uma realidade: grande parte da cultura do whisky contemporâneo se constrói mais ao redor do objeto do que da bebida em si.
Há quem critique essa perspectiva, argumentando que colecionadores e investidores afastam o whisky de quem o consome no cotidiano. Mas isso ignora o papel fundamental que a própria indústria desempenhou na construção desse cenário. Durante décadas, as destilarias alimentaram narrativas elaboradas para cada lançamento, tratando cada garrafa como uma peça rara, esteticamente cuidada e numerada. Há diferentes níveis de teatralidade — com marcas como Macallan e Glenrothes na vanguarda, em lançamentos como o Macallan Horizon ou o Glenrothes Philos. Mesmo engarrafadores independentes indicam o número exato de unidades nos rótulos e frequentemente recorrem a artistas para desenhar embalagens personalizadas.
Até mesmo a Springbank — tradicionalmente vista como uma marca “anti-comercial” — entrou no jogo. Recentemente, lançou a Countdown Collection, uma série extremamente limitada, voltada diretamente ao público colecionador. Sua escassez não apenas inspira admiração, mas ativa um medo muito contemporâneo: o de ficar de fora. É uma coleção feita para ser desejada — não apenas bebida.
O ponto mais revelador do Glenrothes 51 Anos talvez seja justamente sua transparência. Ele não finge ser algo que não é. Não se apoia exclusivamente na qualidade do líquido — embora esta exista. Assume, sem rodeios, que a maioria das garrafas jamais será aberta. E, ao fazer isso, oferece uma leitura precisa, quase brutal, do que o whisky se tornou.
Uma rara oportunidade de ver o Glenrothes 51 Anos por dentro

Os fundadores do Collector’s Club, John (à esquerda) e Scott (à direita), com a garrafa de whisky dentro de sua coluna
Considerando o preço de US$ 46,5 mil (R$ 279 mil) e o perfil discreto de muitos colecionadores, é provável que pouquíssimas unidades do Glenrothes 51 Anos sejam, de fato, abertas — e menos ainda apreciadas.
Mas há uma exceção possível. A plataforma britânica de sorteios Collectors Club Competitions está oferecendo uma dessas garrafas como prêmio. O bilhete custa apenas US$ 2 (cerca de R$ 12), e o vencedor receberá a peça durante um jantar de degustação conduzido pelo chef Graeme Cheevers, estrela Michelin, ao lado da equipe da Glenrothes, no elegante Cameron House, às margens do Loch Lomond.
Há uma certa ironia nesse cenário. Um objeto concebido para ser quebrado, muito provavelmente permanecerá intacto — pelo menos nas mãos de quem tem capital para adquiri-lo. Mas o sorteio oferece uma brecha. Uma pequena possibilidade de que alguém reúna, ao mesmo tempo, os meios e a coragem de destruir a coluna, servir uma dose e compartilhar o conteúdo.
O Glenrothes 51 Anos se destaca não apenas pelo que entrega no copo, mas pela inteligência e coesão do projeto. O design, a narrativa e a execução do conceito foram pensados com precisão. Se a marca continuar investindo nessa combinação de excelência técnica e integridade estética, é provável que seu nome figure cada vez mais ao lado de referências como Macallan, Bowmore e Dalmore no universo dos whiskies de prestígio.
O post Whisky de US$ 46,5 Mil Só Pode Ser Consumido após Ser Quebrado apareceu primeiro em Forbes Brasil.