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A empresa de especiarias norte-americana Diaspora Co., com sede na Índia, e sua CEO, a indiana Sana Javeri Kadri, enfrentaram muitas turbulências nos últimos anos: dos impactos climáticos nas colheitas até a pandemia global e as tensões geopolíticas. Adaptar-se se tornou uma habilidade essencial para ela; em suas palavras, “todo dia há um novo incêndio para apagar”.
Dessa vez, em 2 de abril, as chamas vieram da nova política tarifária da administração Trump. Alguns dias depois, ela entrou em contato com seus clientes para explicar como a medida impactaria as operações da empresa. Novas tarifas de importação – variando entre 25% e 45% – passaram a ser aplicadas a dois países fundamentais para o abastecimento da empresa: a Índia, de onde vêm 93% das especiarias da Diaspora, e o Sri Lanka, de onde vem o restante.
A Diaspora Co. decidiu não repassar nenhum custo adicional para os agricultores e nem para os consumidores. Os clientes não veriam aumentos de preços. Os parceiros agrícolas que atuam com práticas regenerativas continuariam a receber salários quatro vezes superiores ao preço das commodities – sem cortes.
Manter esses compromissos – ou seja, “seguir como sempre” – em meio a uma instabilidade de mercado tão grande parece inviável. Mas, a Diaspora Co. atua em um nicho único.
A sustentabilidade como pilar
Em meio às adversidades comerciais, a sustentabilidade se mostra como um forte pilar nos negócios como a Diaspora Co. O Centro de Negócios Sustentáveis da NYU Stern (CSB), instituição dedicada a integrar a sustentabilidade nas estratégias empresariais e educacionais, nos Estados Unidos, diz que os produtos comercializados como sustentáveis crescem todos os anos desde 2013, com um aumento significativo durante a pandemia e a recente inflação.

A Diaspora Co. é uma empresa de especiarias com sede na Índia
“Produtos com apelo sustentável crescem 2,3 vezes mais rápido que os produtos convencionais e têm, em média, um ágio de 27% no preço. Então, mesmo que um produto fique 5% ou 10% mais caro por causa das tarifas, os consumidores estão dispostos a pagar”, diz Tensie Tensie, diretora fundadora do Centro de Negócios Sustentáveis da NYU Stern. Ela completa que existem oportunidades para empresas pequenas que têm vantagens competitivas relacionadas à sustentabilidade, frente às empresas mais tradicionais.
Um estudo do CSB sobre quais alegações de sustentabilidade ambiental mais ressoam entre os consumidores mostrou que as pessoas se preocupam principalmente consigo mesmas e com suas famílias – especialmente ao comprar produtos feitos sem ingredientes nocivos à saúde humana. No caso das especiarias, isso é ainda mais relevante, dado o número de casos relatados de contaminação por chumbo e óxido de etileno, um conhecido agente cancerígeno.
É por isso que a Diaspora Co. consegue manter preços mais estáveis. Ainda assim, há outros desafios e complexidades a enfrentar. Alguns deles envolvem geografia, tradições e cultura.
Valorização do produto importado da Índia
Certa vez, um parceiro da companhia sugeriu que a produção das especiarias fosse transferida para solo americano. Para Sana, isso era logisticamente impossível e moralmente inconcebível. As especiarias feitas pela empresa carregam histórias ricas e antigas e exigem condições de cultivo específicas que só existem em regiões de origem no subcontinente sul-asiático. Os produtores locais cultivam esses ingredientes com um conhecimento herdado ao longo de milhares de anos, passado por gerações. Eles trabalham nas mesmas terras em que seus antepassados.
“Muitas vezes, quando alguém desvaloriza um produto, essa pessoa está desconectando-o de sua origem. Acredita que ele pode vir de qualquer lugar. Pense, as pessoas aceitariam que o champanhe viesse de fora da França? Elas sabem que o espumante da Califórnia não é champanhe”, diz Sana. “Mas, quando vem da Ásia, há uma sensação de que podemos fazer isso nos EUA. E isso não é verdade. Estamos cultivando o equivalente ao champanhe da França. A nossa pimenta-do-reino vem de uma região em Kerala, na índia, – ela amadurece na videira, é seca ao sol e processada manualmente, como a mais alta qualidade possível de pimenta”, diz.
Tentar replicar esse cultivo ou essas tradições em outros locais, em larga escala é impraticável. O cardamomo, outra especiaria originária das montanhas de Kerala, cultivada ali há milhares de anos, é uma cultura sul-indiana que, eventualmente, chegou à Guatemala, onde as florestas tropicais são semelhantes por serem úmidas e situadas em grandes altitudes. Esses são os dois únicos locais do mundo onde, por razões geográficas, o cardamomo cresce em escala. E tem mais. O produtor parceiro da Diaspora levou 15 anos para encontrar uma forma de cultivar cardamomo em Kerala sem pesticidas, mantendo o máximo de aroma e sabor.

A especiarias são cultivadas por produtores indianos
“Mesmo que eu quisesse começar a comprar da Guatemala amanhã, não sei se aquela variedade linda, selvagem, que nosso parceiro domesticou e desenvolveu para ser livre de pesticidas, se desenvolveria bem na Guatemala”, diz Sana. “Eu certamente não posso transferir todo esse conhecimento de uma hora para outra para lá e, claro, importar da Guatemala para os Estados Unidos seria igualmente difícil”.
Para ela, há uma importância emocional e cultural em comprar da Índia e do Sri Lanka. Ela está comprometida em honrar as tradições culturais e agrícolas profundas e em garantir ingredientes da mais alta qualidade.
Contexto geopolítico
Muito antes da pressão inflacionária, Sana já vinha fazendo concessões difíceis diante das condições geopolíticas. Por exemplo, até dois anos atrás, a Diaspora Co. importava separadamente seus materiais de embalagem da China e suas especiarias da Índia. A empresa trabalhava com diferentes co-packers na Califórnia, Colorado e Nova York para misturar as especiarias e embalar em potes.
Mas, em agosto de 2023, Sana decidiu transferir a produção das embalagens dos fabricantes chineses para fornecedores indianos. A decisão não foi motivada por preocupações com qualidade ou confiabilidade, mas por questões de política internacional: havia uma tensão crescente entre a China, os EUA e a Índia.
“Vimos a relação sino-americana caminhar para a animosidade. Se você perguntar aos fabricantes chineses, eles vão dizer que vêm se preparando para isso há oito anos”, disse Sana. “Eles vêm construindo fábricas no Vietnã e em Bangladesh, e, como são os melhores, eles têm alternativas.”
Sana perguntou aos fabricantes indianos se conseguiriam replicar o padrão chinês de embalagens. Eles foram francos ao admitir que não. “A China fabrica as melhores embalagens do mundo. A China está operando no futuro – em 2050 – e nós estamos em 2010. Há uma diferença de 40 anos”, disse um deles.
Sana não queria manter cadeias de suprimento e operações em vários países, por isso decidiu concentrar sua empresa em cadeias de fornecimento estáveis na Índia e no Sri Lanka. As modernas latas chinesas foram deixadas de lado.
Fase de expansão
Em 2024, a Diaspora Co. expandiu globalmente: lançou suas operações no Reino Unido no ano passado e já tem planos de expansão para a Austrália no próximo ano.
E há ainda o clima populista atual. Sana lembra quando, há quatro anos, a Diaspora Co. lançou sacolas ecológicas produzidas na Índia. Alguém perguntou por que o algodão americano não foi utilizado. Sana destacou que a Índia é o maior produtor de algodão orgânico do mundo, com 51%, segundo a Textile Exchange, organização global que promove a produção responsável e sustentável de fibras e materiais têxteis.
“A grande questão é o distanciamento das pessoas em relação à origem dos produtos e de como eles chegam até elas. Se conseguirmos, culturalmente, compreender isso, então, como país, espero que não aceitemos mais esse tipo de política vinda do nosso próprio governo”, diz ela.

Em 2024, a Diaspora Co. passou a comercializar suas especiarias no Reino Unido
Sana completa que há falta de compreensão e ignorância por parte dos consumidores. “Essa ignorância permite que essas coisas aconteçam – como achar que, de alguma forma, vamos nos tornar um país produtor de especiarias”, acrescenta Sana.
A sustentabilidade tem sido um modelo pessoalmente gratificante e recompensador. Mas há desafios maiores. Há altos custos no uso de plataformas como Meta, Google, Shopify e Amazon, e Sana está tentando reduzir sua dependência dessas ferramentas.
Ela não esconde seu apoio à quebra de monopólios, ao incentivo à inovação local e à resiliência em determinadas regiões dos EUA, além de buscar mais apoio da Small Business Association (SBA), agência independente do governo, criada em 1953, para apoiar e fortalecer pequenas empresas e empreendedores.
Apesar do sucesso e do crescimento na participação de mercado de empreendimentos sustentáveis, muitas empresas tradicionais ainda não adotaram esse caminho. Quando o fazem, é por razões éticas ou para reduzir riscos. O mais importante é que muitas não acompanham os benefícios financeiros da sustentabilidade – que, como se vê, podem ser expressivos.
Tensie, do CSB, cita o exemplo da McCormick & Company, uma empresa global especializada em especiarias, aromatizantes e produtos de panificação que obteve um benefício de cerca de US$ 6 milhões (R$ 33,9 milhões) ao tornar suas cadeias de fornecimento mais sustentáveis. A empresa ficou surpresa com o resultado. Simplesmente não estava analisando seu trabalho sob essa perspectiva.
Tensie também trabalhou em um estudo de caso com uma empresa menor que extrai cacau da África Ocidental. Os resultados também foram surpreendentes: “Descobrimos que, se eles saíssem do mercado de commodities e investissem mais em cacau sustentável e rastreável, teriam um modelo de negócios melhor. A empresa atrairia compradores especializados, interessados em relações comerciais de longo prazo e dispostos a pagar um preço premium”.A demanda existe, desde que haja qualidade, afirma Tensie.
Durante a pausa de 90 dias imposta pela administração Trump – que coincide com a temporada de colheita da Diaspora Co. – a empresa pretende maximizar sua produção, enquanto torce por isenções alimentares não locais altamente otimistas, semelhantes às que os lobistas do café também estão buscando. Até agora, o que Sana encontrou foram inspeções alfandegárias mais rigorosas, atrasos, papelada complexa e confusão entre os despachantes aduaneiros.
Mas ela continua firme. Para Sana, trata-se da importância do consumo consciente, da escolha por opções de alta qualidade em vez de alternativas mais baratas e menos sustentáveis, e da necessidade de mudanças sistêmicas.
* Mehrunnisa Wani é colaborada da Forbes EUA, onde escreve sobre pessoas, empresas e instituições que trabalham para criar equidade e impulsionar o desenvolvimento sustentável.
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