15 Anos do ‘Giving Pledge’: o Que Leva um Bilionário a Doar a Maior Parte de Sua Fortuna?

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

Marie Dageville, uma ex-enfermeira de uma clínica da baía de São Francisco, admite abertamente que não sabia nada sobre doações filantrópicas. Até 2020. Esse foi o ponto de virada: em setembro daquele ano, a empresa de software Snowflake – onde seu marido, Benoit Dageville, é cofundador – abriu seu capital. Com a ação disparando, o casal instantaneamente se tornou bilionário.

Não muito depois, Marie, agora com 58 anos, decidiu se tornar uma filantropa em tempo integral, trabalhando para doar sua fortuna repentina para causas que sua família considera importantes. “A coisa mais importante para mim era agir rapidamente”, ela conta à Forbes. “Para mim, a urgência era agora. Não era em dez anos ou mesmo em dois ”. Ela explica que está preocupada com as ameaças ao clima da Terra e a redução da ajuda externa para apoiar pacientes com HIV.

O Giving Pledge tem sido um fórum acolhedor para o tipo de filantropia colaborativa que Dageville prioriza. Sua última colaboração é uma iniciativa anunciada na segunda-feira (28) chamada The Beginnings Fund, um compromisso de US$ 500 milhões (R$ 2,82 bilhões) por cinco anos com a Fundação Gates, a Fundação Mohamed bin Zayed para a Humanidade dos Emirados Árabes Unidos e vários outros doadores. O projeto quer salvar 300 mil recém-nascidos e suas mães de mortes evitáveis na África Subsaariana, trabalhando em conjunto com os ministérios da saúde dos países.

Neste ano, o Giving Pledge completa 15 anos e a Forbes conversou com Dageville e outros quatro membros da iniciativa sobre os motivos pelos quais se juntaram, o que aprenderam e o que mais gostariam de ver acontecer. Desde que o Giving Pledge foi lançado em agosto de 2010 com 40 membros – incluindo muitos casais – seus membros cresceram para atuais 245 signatários. O que começou como um grupo de filantropos americanos agora conta com membros de 30 países, incluindo China, Índia e Indonésia. Não é para todos. Os 245 membros representam apenas 8% dos 3.028 bilionários do mundo, segundo a última lista anual da Forbes.

Nos últimos anos, o apelo de se juntar ao Pledge parece estar diminuindo, especialmente em um cenário de crescimento constante no número de bilionários no mundo. O Giving Pledge foi de 13 a 19 novos membros anuais para apenas sete novos signatários em 2023 e quatro em 2024. Os novos membros deste ano serão anunciados no final de maio.

Pacto pelo mundo

O Giving Pledge, um grupo independente operado como uma afiliada da Fundação Gates, equilibra com delicadeza a promoção da doação filantrópica, ao mesmo tempo que preserva a privacidade de seus membros ultra-ricos, permitindo que doem quando e como quiserem. Não há como saber, por exemplo, o valor total das doações feitas até hoje pelos signatários. Tampouco é claro quantos membros – incluindo mais de 17 que já faleceram – realmente cumpriram sua promessa de doar metade de sua fortuna durante suas vidas ou em seu testamento.

Cara Bradley, diretora adjunta de filantropia para ultra-ricos da Fundação Gates, cuja equipe apoia o projeto, menciona três doadores falecidos que cumpriram a promessa e sugere que há outros: Chuck Feeney, cofundador da rede de lojas Duty Free Shoppers, que inspirou o Pledge e já havia atingido a meta antes mesmo de ele ser criado; o empreendedor químico de Utah Jon M. Huntsman e sua família; e o fundador da Business Wire, Lorry Lokey.

Desde a criação do Pledge, o relacionamento entre o trio fundador mudou dramaticamente. Melinda French Gates e Bill Gates se divorciaram em 2021. French Gates permaneceu como co-presidente da Fundação Bill e Melinda Gates — agora renomeada para Fundação Gates — até junho de 2024.

Agora, ela foca em seus próprios esforços filantrópicos e suas causas, apoiando mulheres e meninas nos EUA e no mundo, ao mesmo tempo em que continua engajada com o Giving Pledge. Buffett – que completará 95 anos em agosto – não tem participado das reuniões anuais da iniciativa nos últimos anos. Isso pode ser devido a um possível desentendimento com Bill ou à sua idade avançada.

Os membros com quem a Forbes conversou para este artigo mencionaram que inicialmente estavam preocupados em se juntar ao Giving Pledge. “Nós já conhecíamos o Bill [Gates] há algum tempo e estávamos conversando sobre isso, mas estávamos hesitando”, lembra Rohini Nilekani, ex-jornalista e esposa do bilionário indiano de tecnologia Nandan Nilekani. “Entrar é como dizer: ‘olhem o quanto eu sou grande e rico, e vou fazer essa grande coisa.’”

Porém, após refletirem mais, os Nilekanis decidiram que havia valor na intenção indicada ao se juntar. “A criação de riqueza funcionará para a Índia apenas se os ricos se comportarem de maneira responsável e se tornarem curadores de sua riqueza”, explica Rohini Nilekani.

Os membros do Giving Pledge doam para uma ampla gama de causas, desde imunizações infantis e tratamentos contra a malária até causas judaicas e educação infantil. Abaixo, está um resumo dos cinco signatários que conversaram com a Forbes e suas doações filantrópicas.

Bill e Joyce Cummings

Cidadania: EUA
Patrimônio líquido: US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões)
Ano em que aderiram ao Giving Pledge: 2011
Áreas de atuação filantrópica: ensino superior, organizações sem fins lucrativos da região de Boston

Bill, que construiu sua fortuna com a empresa de imóveis comerciais Cummings Properties, na região de Boston, trabalhou com sua esposa Joyce para doar alguns dos edifícios da empresa à Cummings Foundation. O casal também criou centros habitacionais sem fins lucrativos para idosos na área de Boston. Eles ainda apoiaram diversas faculdades e universidades locais, incluindo a Cummings School of Veterinary Medicine da Tufts University, a Cummings School of Nursing do Endicott College e o Franklin Cummings Institute of Technology.

Por que aderiram ao Giving Pledge

“Estávamos fazendo tudo de maneira muito discreta e decidimos, com algum incentivo, que talvez fosse melhor tornar nossa doação pública — e isso poderia encorajar outras pessoas a fazerem o mesmo”, explica Joyce.

O que aprenderam

“Conversamos com Bill Gates e Warren sobre uma possível atuação em Ruanda. Não sabíamos muito sobre o país e pedimos conselhos sobre, para saber se era um lugar viável para investir.” Reassegurados de que sim, os Cummings se tornaram grandes apoiadores de uma universidade de ciências da saúde em Kigali, a University of Global Health Equity.

Marie e Benoit Dageville

Cidadania: EUA e França (dupla cidadania)
Patrimônio líquido: US$ 1,1 bilhão (R$ 6,2 bilhões)
Ano em que aderiram ao Giving Pledge: 2023
Áreas de atuação filantrópica: saúde global, equidade social, justiça climática

Marie e Benoit cresceram na França, se conheceram por lá e se mudaram para os Estados Unidos em meados dos anos 1990. Benoit trabalhou por vários anos na gigante de software Oracle antes de cofundar, em 2012, a Snowflake, empresa de armazenamento de dados na nuvem. Hoje, Marie se dedica integralmente à filantropia e lidera a entidade beneficente da família, chamada The Patchwork Collective, ao lado do filho Cedric e da nora Rachel. As doações da família são feitas por meio de um fundo filantrópico orientado por doadores, e eles vêm destinando cerca de US$ 30 milhões por ano (R$ 169,2 milhões).

Por que optaram por doações colaborativas

“Para mim, era absolutamente essencial me juntar a outras pessoas que tinham conhecimento do mundo da filantropia e do que precisava ser feito.”

O que mais a preocupa atualmente

“A emergência climática está ficando ainda mais crítica com as decisões que têm sido tomadas recentemente. E os cortes na ajuda internacional estão tendo um efeito tremendo e catastrófico sobre as pessoas.”

Badr Jafar e Razan Al Mubarak

Cidadania: Emirados Árabes Unidos
Patrimônio líquido: Não divulgado
Ano em que aderiu ao Giving Pledge: 2019
Áreas de atuação filantrópica: infraestrutura filantrópica

Badr Jafar é presidente da Crescent Enterprises, braço de investimentos e infraestrutura do grupo fundado por seu pai, Hamid Jafar, nos anos 1970, que começou com a empresa de petróleo e gás Crescent Petroleum. Sua esposa, Razan Al Mubarak, é diretora-gerente da Environment Agency Abu Dhabi. Diferentemente da maioria dos signatários do Giving Pledge, Badr se comprometeu a publicar atualizações sobre suas atividades filantrópicas a cada três anos no site do Pledge.

Entre as iniciativas lançadas por Jafar e Al Mubarak está a HasanaH (que significa “boa ação” em árabe), uma plataforma digital colaborativa criada para ampliar o impacto das doações filantrópicas dentro da tradição islâmica. Lançada em 2020, a plataforma já reúne mais de 4,6 mil projetos verificados em mais de 140 países.

Sobre os desafios da filantropia no Oriente Médio

“Muita filantropia em nossa região é isolada, invisível, separada e secreta. Por isso, um de nossos objetivos ao aderir ao Pledge foi justamente incentivar mais diálogo, troca de conhecimento e cooperação ativa entre filantropos, empresas e instituições públicas”, escreveram em sua carta de adesão.

O que ele aprendeu com o Pledge

“Aprendi muito com outros membros, não só sobre como estruturam suas doações, mas também sobre as jornadas pessoais por trás disso — o que funcionou, o que não funcionou e por quê. Essas conversas também me ajudaram a pensar em como construir algo duradouro, do qual futuras gerações queiram participar.”

Rohini e Nandan Nilekani

Cidadania: Índia
Patrimônio líquido: US$ 3 bilhões (R$ 17,4 bilhões)
Ano em que aderiram ao Giving Pledge: 2017
Áreas de atuação filantrópica: educação, clima e meio ambiente, gênero e saúde mental

Nandan Nilekani é cofundador e presidente da gigante indiana de serviços de TI Infosys. Sua esposa, Rohini, ex-jornalista, comanda uma operação filantrópica própria, separada da de Nandan. Juntos, também apoiam a EkStep Foundation, uma plataforma voltada para melhorar os níveis de alfabetização e numeramento — capacidade de compreender e resolver problemas matemáticos — na Índia.

Sobre responsabilidade

“Mais cedo ou mais tarde, percebi que a riqueza vem acompanhada tanto de responsabilidade quanto de oportunidade. A responsabilidade da riqueza, vinda de um país como a Índia, é a de ajudar a tornar sua sociedade melhor”, diz Rohini.

Sobre fracassos

“Como todo filantropo, aprendemos fazendo, falhamos e aprendemos com nossas falhas — ou pelo menos tentamos. Gostaria que levássemos o fracasso mais a sério também no Giving Pledge. Que criássemos um espaço seguro para dizer: ‘tentei isso, não funcionou e aprendi algo.’ Admitir que podemos falhar e falhamos. Como se aprende com isso? Como se compartilha isso?”

O que mais a preocupa atualmente:

“Observo o que está acontecendo na sociedade, quais novos problemas surgem — especialmente com os jovens — e o que está acontecendo com a saúde mental deles, sobretudo na era digital. Como equipar as organizações da sociedade civil para atuarem nesse contexto digital?”

Tahir

Cidadania: Indonésia
Patrimônio líquido: US$ 5,1 bilhões (R$ 29,3 bilhões)
Ano em que aderiu ao Giving Pledge: 2013
Áreas de atuação filantrópica: saúde, educação e ajuda humanitária

Tahir, que usa apenas o primeiro nome, é fundador do conglomerado Mayapada, que atua nos setores bancário, de saúde, imobiliário e de mídia. Ele é o único indonésio a fazer parte do Giving Pledge. Inspirado por sua fé cristã, Tahir tem apoiado refugiados e vítimas de desastres naturais, frequentemente em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Também é um apoiador do The Global Fund to Fight AIDS, Tuberculosis and Malaria.

Após a retirada das tropas dos EUA do Afeganistão

“No dia seguinte, liguei para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Perguntei: ‘vocês podem usar meu dinheiro para ajudar as mulheres e crianças no Afeganistão?’ Então doei US$ 1 milhão (R$ 5,8 milhões) à Unicef.”

Sobre campos de refugiados

“Já estive em campos de refugiados — especialmente os dos sírios, que têm um campo muito grande na Jordânia — quatro vezes. Uma vez, inclusive, passei meu aniversário lá.”

O post 15 Anos do ‘Giving Pledge’: o Que Leva um Bilionário a Doar a Maior Parte de Sua Fortuna? apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.