Como Este Refugiado se Tornou o Primeiro Bilionário da Albânia

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Em um dia ensolarado de outubro na capital Tirana, Samir Mane exibe um sorriso enquanto caminha pelo Tirana East Gate Mall, um centro comercial de 111 mil metros quadrados que é um verdadeiro templo do capitalismo, reunindo marcas internacionais como Adidas, Swarovski, Burger King e KFC. Maior shopping da Albânia, ele é indistinguível, com seus complexos de vidro e aço encontrados em grandes cidades europeias — aliás, esse é justamente o objetivo.

“Esse é o nosso ativo principal. Está 100% alugado”, afirma orgulhoso, listando os inquilinos, entre eles as redes de roupas H&M e Zara, além do primeiro restaurante de sushi da Albânia e várias das próprias empresas dele, como uma loja de roupas, uma loja de brinquedos e uma rede de eletrônicos. “As pessoas querem tocar os produtos. Nós temos todos os negócios físicos que existem na Albânia.”

Vestindo um blazer azul-marinho sobre uma polo preta da Lacoste, Mane poderia facilmente ser confundido com um dos clientes passeando pelo shopping em uma manhã de segunda-feira. Mas o magnata de 57 anos é o primeiro — e único — bilionário da Albânia, que tem apenas 2,8 milhões de habitantes. Graças aos investimentos nos setores de varejo, imóveis e bancos, ele acumulou uma fortuna de US$ 1,4 bilhão (R$ 7,95 bilhões), segundo estimativas da Forbes, garantindo seu lugar na lista de Bilionários do Mundo de 2025. Isso era algo impensável para ele aos 23 anos, quando fugiu como refugiado do regime comunista da Albânia, em 1991. “Nunca achei que isso fosse possível. Meu sonho era ter uma casa própria ou um carro”, relembra.

Por vários lugares

Hoje, o conglomerado de Samir Mane, o Balfin Group, atua em 10 países e registrou um lucro líquido de US$ 120 milhões (R$ 681,6 milhões) sobre vendas de US$ 880 milhões (R$ 5 bilhões) em 2024, um aumento de 31% e 14%, respectivamente, em relação a 2023. Cerca de 62% da receita vem do varejo, seguido pelo setor imobiliário com 20%, o bancário com 9%, e o restante é composto por logística e gestão de ativos. Mane é dono de tudo, mas trouxe parceiros para atuar com ele nos shoppings, nas redes de varejo e em projetos de desenvolvimento imobiliário.

Sua presença é visível por toda a capital da Albânia, onde mora desde que voltou ao país natal, em 2005. Ele é dono do Tirana Bank, o quinto maior banco do país; sua rede de eletrônicos Neptun também é a maior da Albânia; e ele foi dono da maior rede de supermercados até vendê-la por US$ 48 milhões (R$ 272,6 milhões) em março. Ao passear pela cidade em seu SUV preto da Mercedes-Maybach, ele orienta o motorista em direção ao Rolling Hills, um condomínio residencial de luxo que ele construiu e onde também possui uma mansão de 3.065 metros quadrados.

“Comprei o terreno em 2008, era muito barato naquela época”, diz, olhando para o conjunto de 153 vilas em estilo neoclássico com vista para as montanhas Skanderbeg. Desde então, o valor dos terrenos na região se multiplicou por mais de dez, e Mane continua construindo. Ao lado fica outro empreendimento do Balfin, o Collina Verde, e há mais um em construção perto de um lago artificial, que deve custar US$ 240 milhões (R$ 1,36 bilhão) e será finalizado em 2028. “Ninguém, nem meu pai, acreditava que daria certo.”

A fortuna de Mane não se limita às fronteiras da Albânia. Ele é dono de lojas de varejo em países vizinhos como Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Montenegro e Macedônia do Norte, onde comanda o Skopje East Gate, o maior shopping do país. Fora dos Bálcãs Ocidentais, ele também começou a investir em prédios residenciais e escritórios na Áustria, no Canadá e em cidades como Nova York e Nova Jersey.

Ao explicar sua visão de negócios, ele cita lições que aprendeu lendo livros de ícones empresariais americanos, como Jack Welch, ex-CEO da General Electric: “o Welch dizia que é preciso ser diversificado. A Albânia é pequena, então pensamos: por que não entrar em outros países e setores?”

Da origem à oportunidade

Mane nasceu em 1967 na cidade de Korçë, no sul da Albânia, durante o regime comunista liderado por Enver Hoxha. Na época, viajar dentro do país era extremamente restrito, e Mane raramente saía de sua cidade até ingressar na universidade, em Tirana, aos 18 anos, para estudar geologia. “Eu não escolhi geologia. Era o partido comunista quem decidia o que a gente estudava”, relembra.

Durante a faculdade, ele comprava carne para fazer almôndegas e vendia aos colegas para ganhar um dinheiro extra — até que, seis meses depois, as autoridades o impediram de continuar. Em 1991, ainda estudante, decidiu fugir do país em busca de uma vida melhor. Conseguiu um visto austríaco por meio de uma agência de viagens e enfrentou 36 horas de ônibus sem paradas até Viena, onde se registrou como refugiado. Mais tarde, descobriu que o visto era falso, mas ninguém o barrou.

Ele passou mais de seis meses em um campo de refugiados, estudando alemão por conta própria, até aprender o suficiente para se candidatar à Universidade Técnica de Viena e continuar o curso de geologia. Em 1992, o regime comunista da Albânia colapsou. “A Albânia se abriu um pouco e as pessoas começaram a ir a Viena comprar eletrônicos. Vi aí uma oportunidade”, conta.

Abandonou a universidade em 1993 e começou a atuar como tradutor para alguns exportadores, antes de entrar no ramo por conta própria. Nesse mesmo ano, fundou a empresa Alba-Trade, que comprava videocassetes, rádios, televisores e eletrodomésticos na Áustria e os enviava para a Albânia. Ele mesmo carregava os caminhões e fazia a viagem de dois dias entre Viena e Tirana, dormindo no veículo para economizar e proteger a mercadoria. Estacionava o caminhão em algum ponto de Tirana e os clientes simplesmente apareciam. “Vendemos tudo o que estava no caminhão em três horas”, lembra. “Mas foi na Áustria que percebi que dava para vender os produtos de maneira adequada, em lojas de verdade.”

Para entender o negócio, Mane lia não só os livros de Jack Welch, mas também os do fundador do Walmart, Sam Walton. “Um me ensinou como tocar um negócio de varejo e o outro me mostrou como gerir uma corporação”, afirma.

A expansão

Ele abriu a primeira loja Neptun, vendendo TVs e eletrodomésticos, em Tirana, em 1996. Dois anos depois, expandiu para a Macedônia do Norte e depois para Kosovo, Sérvia e Montenegro, tornando-se um dos primeiros estrangeiros a entrar nesses mercados, após o colapso da Iugoslávia no início dos anos 1990.

“Ele tem a visão de apresentar o conceito certo na hora certa. Mane identificou a demanda por eletrodomésticos nos Bálcãs Ocidentais, quando nem sequer tínhamos máquinas de lavar”, diz Edlira Muka, CEO do Balfin. O sucesso de Mane também acompanhou o boom econômico nos países em transição para o capitalismo. “Ele representa um dos maiores conglomerados da Albânia. Mane é reflexo do crescimento econômico e das transformações pelas quais o país passou”, acrescenta Martin Mata, co-CEO do Albanian-American Enterprise Fund (AAEF), um fundo de investimentos sem fins lucrativos, criado em 1995, para ajudar a Albânia na transição para a economia de mercado.

Um empreendimento desacreditado

No início dos anos 2000, Mane havia construído um império de eletrônicos nos Bálcãs, com 19 lojas e faturamento de US$ 50 milhões (R$ 290 milhões), comprando a maior parte dos produtos da Ásia. Mas, ao ver o sucesso de marcas ocidentais e shoppings na Europa Oriental pós-comunista, pensou que poderia fazer o mesmo na Albânia. Em 2005, mudou-se com a família de Viena para Tirana com o objetivo de abrir o primeiro shopping do país, na periferia da capital.

Para ancorar o shopping, precisava de um supermercado. Mane então viajou pela Europa se reunindo com executivos de grandes redes para convencê-los a abrir lojas na Albânia. “Eles diziam: ‘Sr. Mane, vimos os dados do PIB. Ninguém vai investir’”, relembra. O PIB da Albânia na época era de apenas US$ 8 bilhões (R$ 46 bilhões), enquanto hoje é de US$ 24 bilhões (R$ 138 bilhões). “Então, decidi abrir minha própria rede de supermercados. Contratei um francês que trabalhava no Carrefour e construí o primeiro supermercado moderno da Albânia.”

Foi uma jogada ambiciosa. Na época, mais de 30% da economia da Albânia era informal, com muitos atuando em setores não regulamentados e que não pagavam impostos. Mane precisava convencer uma legião de consumidores a adotar o capitalismo no estilo ocidental e gastar dinheiro em um shopping, em vez de comprar nos mercados de bairro.

“Nem meu pai acreditava que ia dar certo”, diz Mane. “As pessoas me questionavam: ‘por que alguém dirigiria duas horas para comprar tomates?’” A princípio, Mane teve dificuldade em encontrar investidores — até mesmo fundos que hoje o apoiam duvidaram de seus planos na época. “Nós não estávamos convencidos”, diz Aleksandër Sarapuli, co-CEO da Fundação de Desenvolvimento Albanesa-Americana (AADF).

Mane acabou convencendo o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, com sede em Londres, a investir US$ 15 milhões (R$ 87 milhões) em financiamento por meio de dívida e participação acionária para seu supermercado. Em outubro de 2005, ele inaugurou a Qendra Tregtare Univers (em português, Shopping Univers) em Tirana, com uma loja Neptun e a primeira unidade da sua rede de supermercados Euromax.

As ruas ficaram congestionadas de carros no dia da inauguração e o próprio Mane entrou na confusão para dirigir o trânsito no pequeno estacionamento. “Para todos os céticos, tínhamos milhares de pessoas esperando na estrada”, conta Steven Grunerud, diretor financeiro canadense do Balfin, que Mane contratou em 2007 para profissionalizar os negócios.

Quando Mane decidiu abrir o ainda maior Tirana East Gate, ele já havia comprovado seu modelo e conquistado mais investidores do que antes. “Ele nunca fingiu saber como administrar um shopping, mas buscou especialistas, seguiu o modelo e ouviu quem sabia fazer”, diz Mata, da AADF, que estima que o fundo triplicou seu investimento ao vender sua participação no shopping de volta para Mane, em março.

Protagonismo tem seu preço

Mane ampliou esse sucesso assumindo um papel cada vez maior na economia da Albânia. Muitos de seus investimentos deram certo: ele comprou o Tirana Bank em 2019 e, em 2020, o problemático banco grego Piraeus Bank por US$ 64 milhões (R$ 369 milhões). Atualmente, a instituição possui US$ 1,7 bilhão (R$ 9,8 bilhões) em ativos e está avaliada em cerca de US$ 155 milhões (R$ 893 milhões). Outros empreendimentos não tiveram o mesmo êxito. Mane adquiriu a rede de notícias financeiras Scan TV, sediada em Tirana, em 2022, mas a vendeu um ano depois com um prejuízo estimado em US$ 2,2 milhões (R$ 12,6 milhões).

Sua fortuna também trouxe mais escrutínio. Em outubro, o Promotor Especial Anticorrupção da Albânia (SPAK) prendeu o ex-presidente Ilir Meta sob acusações de corrupção. Mane — que não foi acusado de nenhum crime — teria sido citado nos documentos como tendo oferecido a Meta e à então esposa dele, Monika Kryemadhi, deputada no parlamento, uma vila no complexo Rolling Hills, avaliada em pouco menos de US$ 1 milhão (R$ 5,7 milhões). Meta recorreu da prisão, e Kryemadhi negou as acusações.

“Se você é um empresário proeminente na Albânia, tem uma conexão muito forte com a política. Não é surpreendente que Mane tivesse essa ligação com Meta”, afirma Afrim Krasniqi, professor de ciência política da Universidade de Tirana. Mane nega categoricamente as acusações, chamando-as de “infundadas e já desmentidas pelas autoridades albanesas”. Ele afirma que nunca teve uma relação pessoal próxima com Meta. “Nunca na minha vida fui investigado, acusado ou processado, nem por esse caso, nem por qualquer outro”, completa.

No mundo implacável da economia albanesa, Mane se orgulha de nunca ter entrado para a política nem de ter se beneficiado da privatização de empresas estatais nos anos 1990. “Nunca estive na política e isso não está nos meus planos”, afirma. “Nunca participei de nenhuma privatização. Em países ex-comunistas, se você é rico, as pessoas te consideram um oligarca. Mas construí minha fortuna na Áustria e voltei para cá.”

Fora e dentro da Albânia

Agora, Mane está de olho em uma expansão ainda maior na Europa Oriental. Ele planeja abrir uma nova franquia da Jumbo, rede grega de lojas de brinquedos, na Moldávia. Também está acrescentando outras marcas ao seu império: assinou um acordo com a rede dinamarquesa Flying Tiger Copenhagen com planos de abrir 50 lojas nos próximos quatro anos.

Mesmo assim, ele ainda vê muito potencial em sua terra natal, especialmente com o turismo internacional, que ele acredita ser um divisor de águas para a economia da Albânia. Mane é dono do Green Coast, um empreendimento de luxo no mar Adriático que deve abrigar hotéis de marcas internacionais como Accor, Grand Melia e Hyatt, além de 2,6 mil vilas e apartamentos. A primeira fase do projeto — cujo custo total de construção está estimado em US$ 900 milhões (R$ 5,1 bilhões) — foi inaugurada em 2022, e Mane já lucrou quase US$ 150 milhões (R$ 862 milhões) com a venda de imóveis.

“É um projeto incrível, vamos nos sair muito, muito bem lá”, diz Mane. Mas ele não é o único de olho nas praias mediterrâneas intocadas da Albânia, que rivalizam com as da Croácia — só que sem as multidões. O bilionário do setor imobiliário de Dubai, Mohamed Alabbar, está desenvolvendo um resort de luxo com marina para superiates no norte, avaliado em US$ 2,5 bilhões (R$ 14,3 bilhões). Já Jared Kushner, genro de Donald Trump, e sua gestora de investimentos Affinity Partners planejam um empreendimento de luxo de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,6 bilhões) na ilha de Sazan, ao sul do país.

Para Mane, quanto mais investimento no país, melhor. “Gosto desses projetos, espero que saiam do papel. Será algo incrível para a Albânia”, afirma. Mais visitantes estrangeiros significam mais clientes para suas lojas e mais compradores em potencial para suas vilas. “Varejo, imóveis e turismo. Esse é o nosso futuro.”

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